O texto, para a(s) questão(ões), foi extraído de correspondência do renomado escritor norte-americano Norman Mailer endereçada ao crítico literário Peter Balbert. de fevereiro de 1998
Caro Peter,
1 Entre as coisas que temos em comum está a depressão cultural. Reflito sobre a minha vida,
2 especialmente depois de ter completado cinquenta anos de literatura, e
3 sinto que todas as coisas pelas quais trabalhei e lutei estão
4 em decadência. O que antes eu via como o inimigo e, com
5 grande otimismo, como o inimigo que haveria de ser
6 derrotado, acabou na verdade por nos vencer. [...]
7 A questão diante de nós dois é: onde está a culpa?
8 Estava em nós? Por nunca termos feito o suficiente, por
9 mais que achássemos que sim? Ou estará na abstração
10 que chamamos de “natureza humana”? Teremos ajustado
11 as nossas crenças a um conceito de homens e mulheres
12 que não se adequava aos fatos rasteiros?
13 Às vezes me pergunto se isso não será puro elitismo
14 de minha parte, e se a verdadeira premissa da democracia, a de que os sem-banho tenham 15 acesso a sabonete
16 barato, desodorante e roupas de plástico, como um dos
17 degraus da escalada a um nível mais alto, não seria o que
18 está acontecendo. Ou se, como temo, estaremos caindo
19 numa sociedade do homem e da mulher medíocres
20 onipresentes, governados por altas mediocridades. [...]
21 Tudo de bom,
22 Norman Mailer.
(Adaptado de Cartas Políticas, O mundo nas cordas, revista
Piauí, 27, p.32)
A alternativa que acolhe comentário condizente com as características da carta é:
a)
Registra inconveniente intimidade nas saudações inicial e final, as quais, uma vez substituídas por "Prezado" e "Sem mais", respectivamente, restituiriam ao texto a formalidade que seu tema requer. |
b)
Focaliza a atuação profissional dos interlocutores, especialmente no que diz respeito aos modos como conceberam e trataram homens e mulheres ao produzirem textos literários. |
c)
Por explorar temática sociocultural, ultrapassa os limites da subjetividade e transforma as queixas do remetente em afirmações categóricas acerca da necessidade de engajamento político da elite. |
d)
Preservando tom subjetivo, expõe reflexões acerca do impacto de atitudes individuais sobre cenários mais amplos, revelando dupla apreensão: com específico sentimento de culpa e com o futuro da sociedade. |
e)
Em discretos matizes, como a indicação do destinatário pelo prenome e do remetente por nome e sobrenome, insinua a existência de relação hierárquica entre o escritor e o crítico. |
O excerto demonstra que o autor:
a)
considera-se culpado das mazelas sociais, seja por não ter agido nos momentos graves, seja por operar com crenças contraditórias e demasiadamente abstratas. |
b)
compartilha com o interlocutor a sensação de estar declinando culturalmente, apesar dos diversos anos dedicados a atividade intelectual nobre. |
c)
acredita ter contribuído, em outras épocas, para o real aprimoramento de homens e mulheres, posteriormente submetidos à universal mediocridade. |
d)
hesita em relação à possibilidade de preceitos democráticos estarem sendo postos em prática na época em que escreve a carta. |
e)
concorda com a premissa de que os desfavorecidos devam receber o necessário para a manutenção da dignidade: sabonete barato, desodorante e roupas de plástico. |
Tendo em vista o contexto, a alternativa correta acerca de recurso linguístico explorado na carta é:
a)
Na linha 19, Ou se, por introduzir conteúdo adicional à sequência de questionamentos que inicia o parágrafo, pode ser substituído por "E, ainda, se", preservando o sentido original. |
b)
Os fragmentos por nos vencer (linha 7) e por altas mediocridades (linha 21) exercem idêntica função sintática. |
c)
Na linha 10, por remeter a termos antecedentes, sim pode dar lugar a "era o suficiente". |
d)
A ordem dos termos na coordenação do homem e da mulher (linha 20) expõe restrições do autor quanto à igualdade entre os gêneros. |
e)
Em O que antes eu via (linha 5) como o inimigo, os itens destacados indicam que o autor havia se equivocado em sua percepção anterior, isto é, que não se tratava de um inimigo. |
A alternativa correta sobre expressões do texto é:
a)
O segmento com grande otimismo (linhas 5 e 6), de caráter apositivo, qualifica o termo o inimigo. |
b)
Nas linhas 8 e 9, o contraste entre nós dois e nós explicita que, apenas na primeira ocorrência, o autor refere-se a si e ao seu interlocutor. |
c)
As formas alto (linha 18) e altas (linha 21) têm exatamente o mesmo significado, embora ocupem posições diferentes em relação aos substantivos e correspondam a diferentes flexões do adjetivo. |
d)
Reflito (linha 2) e sinto (linha 4) podem ser permutados, respectivamente, por "conscientizo-me" e "lamento", sem prejuízo do sentido original. |
e)
Quanto ao significado, crenças (linha 12) inclui abstração (linha 10) e opõe-se a fatos rasteiros (linha 13). |
A alternativa correta acerca do uso de tempos verbais na carta é:
a)
A substituição da forma Teremos (linha 11) por "Teríamos" atenuaria o valor hipotético da frase. |
b)
No segundo parágrafo, a incerteza acerca do tempo, expressa pela alternância entre está, estava e estará, reforça o sentido de dúvida presente no trecho. |
c)
A correlação entre as orações Reflito sobre a minha vida (linha 2) e depois de ter completado cinquenta anos de literatura (linha 3) expressa que a vida anterior ao aniversário mencionado não é objeto de meditação. |
d)
O emprego da forma será (linha 14) torna o enunciado mais assertivo do que o seria se a forma escolhida fosse "é". |
e)
O segmento acabou... por nos vencer (linha 7) indica finalização recente da ação nele descrita. |
1 Humes observou certa vez que a civilização
2 humana como um todo subsiste porque “uma geração
3 não abandona de vez o palco e outra triunfa, como
4 acontece com as larvas e as borboletas”. Em algumas
5 guinadas da história, porém, em alguns picos críticos,
6 pode caber a uma geração um destino parecido com o
7 das larvas e borboletas. Pois o declínio do velho e o
8 nascimento do novo não são necessariamente
9 ininterruptos; entre as gerações, entre os que, por uma
10 razão ou outra, ainda pertencem ao velho e os que
11 pressentem a catástrofe nos próprios ossos ou já
12 cresceram com ela [...] está rompida a continuidade e
13 surge um “espaço vazio”, espécie de terra de ninguém
14 histórica, que só pode ser descrita em termos de “não
15 mais e ainda não”. Na Europa, essa absoluta quebra de
16 continuidade ocorreu durante e após a Primeira Guerra
17 Mundial. É essa ruptura que dá um fundo de verdade a
18 todo o falatório dos intelectuais, geralmente na boca dos
19 “reacionários”, sobre o declínio necessário da civilização
20 ocidental ou a famosa geração perdida, tornando-se,
21 portanto, muito mais atraente do que a banalidade do
22 pensamento “liberal”, que nos apresenta a alternativa de
23 avançar ou recuar, a qual parece tão desprovida de
24 sentido justamente porque ainda pressupõe uma linha
25 de continuidade sem interrupções.
(ARENDT, Hannah. “Não mais e ainda não”. In Compreender: formação, exílio e totalitarismo. Ensaios (1930-
1954). São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte:
Ed. UFMG, 2008, p. 187)
Na organização do texto, a autora:
a)
toma como tema certo pensamento de Humes, que detalha para convencer o leitor sobre esta compreensão que ela tem do que seja a civilização: "A natureza não dá saltos". |
b)
vale-se de Humes como argumento de autoridade, considerando irretorquível o pensamento citado. |
c)
tira proveito da constatação de Humes, de caráter universal, para ratificá-la no plano mais particular que ela aborda no seu discurso. |
d)
cita Humes porque a comparação que ele faz entre os homens e os animais se aplica, ipsis litteris, à concepção que ela tem acerca do que ocorre com gerações em momentos críticos. |
e)
refere comentário do filósofo Humes e o desconstrói, pois o desfaz para reconstruí-lo em outras bases. |
Pois o declínio do velho e o nascimento do novo não são necessariamente ininterruptos; entre as gerações, entre os que, por uma razão ou outra, ainda pertencem ao velho e os que pressentem a catástrofe nos próprios ossos ou já cresceram com ela está rompida a continuidade [...]
Considerado o fragmento acima, em seu contexto, é correto afirmar:
a)
entre os que estabelece relação de estrita colateralidade entre os segmentos os que pressentem a catástrofe nos próprios ossos e [os que] já cresceram com ela. |
b)
a expressão não são necessariamente ininterruptos equivale a "é prescindível que ocorram de modo contínuo". |
c)
justificam-se as duas contíguas ocorrências da preposição entre porque introduzem termos que remetem a dois aspectos, semântica e sintaticamente distintos. |
d)
a conjunção ou estabelece uma relação de simultaneidade entre os dois termos que conecta. |
e)
a expressão os que, em suas duas ocorrências, remete aos mesmos seres. |
O segmento que, no contexto, exprime uma consequência é:
a)
(linhas 12 e 13) e surge um "espaço vazio". |
b)
(linhas 24 e 25) ainda pressupõe uma linha de continuidade sem interrupções. |
c)
(linhas 23 e 24) a qual parece tão desprovida de sentido. |
d)
(linhas 15 e 16) essa absoluta quebra de continuidade ocorreu. |
e)
(linhas 14 e 15) só pode ser descrita em termos de "não mais e ainda não". |
Quando a autora refere-se ao "espaço vazio":
a)
toma-o como ponto fraco do ideário "liberal", que, equivocadamente, entende essa espécie de terra de ninguém histórica como o momento crucial para a decisão de avançar ou recuar. |
b)
busca exprimir a ideia de que, mesmo diante de acontecimentos nefastos, há espaço para o acolhimento do novo, para inovadora ordem social, proposta por geração recém-surgida. |
c)
caracteriza-o com expressões que deixam entrever a dificuldade que sente para conceituá-lo, dada sua natureza indefinida ou ambígua, área sobre a qual as gerações em confronto não têm controle. |
d)
caracteriza-o lançando mão da história, meio de exprimir sua visão de que a ação humana, suspensa nesse oco, provocou os acontecimentos da Primeira Guerra Mundial. |
e)
entende-o como ponto que legitima de modo pleno a verve dos grupos ditos "reacionários" quando defendem a necessidade do declínio da civilização ocidental. |
1 O ataque cético à cientificidade das narrações históricas insistiu em seu caráter subjetivo, que
2 as assimilaria às narrações ficcionais. As narrações históricas
3 não falariam da realidade, mas sim de quem as construiu. Inútil objetar que um elemento
4 construtivo está
5 presente em certa medida até nas chamadas ciências
6 “duras”: mesmo estas foram objeto de uma crítica aná-
7 loga [...]. Falemos, então, de historiografia. Que ela
8 [tem] um componente subjetivo [...] é sabido; mas as
9 conclusões radicais que os céticos tiraram desse dado
10 concreto não levaram em conta uma mudança fundamental mencionada por Bloch nas suas
11 reflexões metodológicas póstumas. “Hoje [1942-3]..., até mesmo nos
12 testemunhos mais resolutamente voluntários”, escrevia
13 Bloch, “aquilo que o texto nos diz já não constitui o
14 objeto preferido de nossa atenção.” As Mémoires de
15 Saint-Simon ou as vidas dos santos da alta Idade Média
16 nos interessam (continuava Bloch) não tanto por suas
17 referências aos dados concretos, volta e meia inventados, mas pela luz que lançam sobre a
18 mentalidade de
19 quem escreveu esses textos. “Na nossa inevitável
20 subordinação ao passado, nós nos emancipamos, ao
21 menos no sentido de que, embora permanecendo condenados a conhecê-lo exclusivamente
22 com base em
23 seus rastros, conseguimos, todavia, saber bem mais a
24 seu respeito do que ele resolvera nos dar a conhecer”.
25 E concluía: “Olhando bem, trata-se de uma grande revanche da inteligência sobre o mero
26 dado concreto”.
(GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso,
fictício (Introdução). São Paulo: Companhia das Letras,
2007, p. 9)
É correta paráfrase do primeiro período do texto "O ataque cético à cientificidade das narrações históricas insistiu em seu caráter subjetivo, que as assimilaria às narrações ficcionais." o que se lê em:
a)
A credulidade abalada gerou ataques ao cientificismo característico da história, e, quando se insistiu em que deveria assumir o viés subjetivo, suas semelhanças com as narrativas ficcionais avultaram. |
b)
O ceticismo que nutre a ciência dá às narrativas, inclusive às de cunho histórico, um matiz subjetivo, o que foi apontado pelos críticos como um fator inerente a qualquer tipo de relato. |
c)
O que caracteriza o relato de fatos históricos é sua natureza científica; se esse traço fosse minimizado e abrisse espaço para a subjetividade "dizem certos críticos", esse tipo de relato estaria próximo das narrativas ficcionais. |
d)
A acusação dos que não acreditavam no caráter científico das narrações históricas enfatizava o seu caráter subjetivo, traço que as tornaria semelhantes às narrações ficcionais. |
e)
O que sempre se enfatizou como determinante de um texto é o seu cunho particular, fator de subjetividade que sempre irmanou os relatos, os científicos (como os históricos) e os ficcionais (inventados pelo autor), como reconhecem até os mais severos ataques. |
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