Desde que nascemos e a nossa vida começou, não há mais nenhum ponto zero possível. Não há como começar do nada. Talvez seja isso que torna tão difícil cumprir propósitos de Ano Novo. E, a bem da verdade, o que dificulta realizar qualquer novo propósito, em qualquer tempo.
O passado é como argila que nos molda e a que estamos presos, embora chamados imperiosamente pelo futuro. Não escapamos do tempo, não escapamos da nossa história. Somos pressionados pela realidade e pelos desejos. Como pode o ser humano ser livre se ele está inexoravelmente premido por seus anseios e amarrado ao enredo de sua vida? Para muitos filósofos, é nesse conflito que está o problema da nossa liberdade.
Alguns tentam resolver esse dilema afirmando que a liberdade é a nossa capacidade de escolher, a que chamam livre-arbítrio. Liberdade se traduziria por ponderar e eleger entre o que quero e o que não quero ou entre o bem e o mal, por exemplo. Liberdade seria, portanto, sinônimo de decisão. Prefiro a interpretação de outros pensadores, que nos dizem que somos livres quando agimos. E agir é iniciar uma nova cadeia de acontecimentos, por mais atrelados que estejamos a uma ordem anterior. Liberdade é, então, começar o improvável e o impensável. É sobrepujar hábitos, crenças, determinações, medos, preconceitos. Ser livre é tomar a iniciativa de principiar novas possibilidades. Desamarrar. Abrir novos tempos.
Nossa história e nosso passado não são nem cargas indesejadas, nem determinações absolutas. Sem eles, não teríamos de onde sair, nem para onde nos projetar. Sem passado e sem história, quem seríamos? Mas não é porque não pudemos (fazer, falar, mudar, enfrentar...) que jamais poderemos. Nossa capacidade de dar um novo início para as mesmas coisas e situações é nosso poder original e está na raiz da nossa condição humana. É ela que dá à vida uma direção e um destino. Somos livres quando, ao agir, recomeçamos.
Nossos gestos e palavras, mesmo inconscientes e involuntários, sempre destinam nossas vidas para algum lugar. A função dos propósitos é transformar esse agir, que cria destinos, numa ação consciente e voluntária. Sua tarefa é a de romper com a casualidade aparente da vida e apagar a impressão de que uma mão dirige nossa existência.
Os propósitos nos devolvem a autoria da vida.
(Dulce Critelli. Folha de São Paulo, 24/01/2008)
A autora defende a tese de que afirmamos nossa liberdade quando:
a)
formulamos propósitos que nos libertam plenamente de nossas memórias e das experiências vividas. |
b)
formulamos a intenção de agir para provar nossa capacidade de dominar e exercer o nosso livre-arbítrio. |
c)
passamos a agir com a determinação de abrir caminhos que representem novas possibilidades. |
d)
condicionamos nossas ações à personalidade que viemos constituindo e cristalizando ao longo da vida. |
e)
orientamos nossa ação pela escolha de valores definidos previamente como imperativos morais. |
Considere as seguintes afirmações:
I. Ao sustentar que Não há como começar do nada, a autora deixa implícito que somos fatalmente conduzidos para um destino já traçado.
II. O conflito que, para muitos filósofos, se traduz como problema da nossa liberdade é o que se estabelece entre as amarras do passado e o anseio de ser livre.
III. O fracasso em iniciativas passadas não deve impedir que as retomemos, pois é essa insistência que atesta nossa liberdade.
Em relação ao texto, está correto SOMENTE o que se afirma em:
a)
I. |
b)
II. |
c)
III. |
d)
I e II. |
e)
II e III. |
Considerando-se o contexto, traduz-se corretamente o sentido de uma expressão do texto em:
a)
argila que nos molda = barro a que impomos forma. |
b)
inexoravelmente premido = indiscutivelmente atento. |
c)
na raiz da nossa condição humana = nossa radical condicionalidade. |
d)
determinações absolutas = condicionantes irrevogáveis. |
e)
romper com a casualidade = desconsiderar a causa. |
Ao dar ênfase ao caráter consciente e voluntário dos nossos propósitos, a autora coloca-se contra:
a)
a subordinação nossa à força dos acasos. |
b)
a tentação de sobrepujarmos fortes determinações. |
c)
a nossa tendência para retomar antigas iniciativas. |
d)
o caprichoso hábito de nunca voltarmos atrás. |
e)
a possibilidade de nos valermos do livre-arbítrio. |
Considerando-se o contexto, na frase É ela que dá à vida uma direção e um destino, o pronome sublinhado está diretamente vinculado à expressão:
a)
(...) raiz da nossa condição humana. |
b)
Nossa capacidade de dar um novo início (...) |
c)
(...) nossa condição humana. |
d)
Nossa história (...) |
e)
(...) uma nova cadeia de acontecimentos (...) |
Estão plenamente respeitadas as normas de concordância verbal na frase:
a)
É muito difícil que se cumpra os propósitos que, invariavelmente, se formula a cada início de ano. |
b)
Enredam-se nas tramas das próprias memórias todo aquele que não busca abrir, para si mesmo, novos tempos e novas experiências. |
c)
A cada vez que dá impulso a uma nova cadeia de acontecimentos, os homens se tornam autores de seu próprio destino. |
d)
Não deveriam caber às pessoas tomar suas próprias iniciativas, em vez de se submeterem à força do acaso? |
e)
Aos que não submete a força imperiosa das experiências passadas estende-se a possibilidade de abrir novos tempos. |
A autora poderia ter optado, corretamente, pela seguinte redação da frase em que formula sua preferência:
a)
Prefiro muito mais a interpretação destes pensadores do que àqueles. |
b)
A minha preferência é mais da interpretação destes pensadores que a daqueles. |
c)
À interpretação daqueles pensadores não tenho como deixar de preferir a destes. |
d)
Prefiro à destes, em vez da interpretação daqueles pensadores. |
e)
É para mim preferível, em vez da interpretação daqueles pensadores, à que defendem estes. |
Nossos gestos e palavras, mesmo inconscientes e involuntários, sempre destinam nossas vidas para algum lugar.
A palavra sublinhada na frase acima está empregada com função e sentido diferentes em:
a)
É comum que o mesmo homem que enuncia novos propósitos logo renuncie a eles. |
b)
Não me submeto ao destino, mesmo quando intimidado pelos fatos. |
c)
Mesmo submetido a fortes pressões, ele não hesita em abrir caminhos. |
d)
Mesmo sabendo que não serão cumpridos, vivemos formulando novos propósitos. |
e)
Crê na mão que conduz o destino mesmo quem reconhece que isso leva à extrema passividade. |
É a liberdade que dá à vida uma direção.
O termo sublinhado na frase acima exerce a mesma função sintática do termo sublinhado em:
a)
Sem passado e sem história, poderíamos ser livres? |
b)
Liberdade seria, a meu ver, um sinônimo de decisão. |
c)
Somos livres a cada vez que, agindo, recomeçamos. |
d)
Liberdade seria, pois, começar o improvável. |
e)
A liberdade nos liberta, o passado é argila que nos molda. |
Numa outra redação de um segmento do 5.º parágrafo do texto, estará correta e coerente com o sentido original a seguinte construção:
Sem nossa história e nosso passado, não teríamos
a)
de onde prover, nem aonde nos inclinarmos. |
b)
por onde começar, nem espaço para nos expandirmos. |
c)
aonde começar, nem aonde alcançarmos projeção. |
d)
por onde provermos, nem lugar aonde nos fixarmos. |
e)
onde dar início, nem aonde progredirmos. |
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