Texto I
01 Ano passado, eu morei na cidadezinha de Palo Alto, na Califórnia. Um dia chegou uma carta
02 na minha casa. Era da prefeitura. Em uma linguagem muito clara, texto breve, direto, a carta
03 convidava para uma reunião dos moradores daquela área. O motivo: um vizinho, que morava a uns 3
04 ou 4 blocos da minha casa, ia fazer uma pequena reforma no muro da casa dele. Havia alguma dúvida
05 no departamento de obras sobre se essa reforma contrariava ou não os códigos de construção da
06 cidade. Por isso, a prefeitura estava convidando todos os moradores das proximidades para conversar
07 e decidir se a reforma devia ou não ser autorizada.
08 Amanhã de manhã, na Câmara Municipal, uma comissão vai julgar a legalidade de um projeto
09 de lei para mudar o Plano Diretor de São Paulo. Mudar o Plano Diretor é astronomicamente mais
10 importante para uma cidade do que fazer uma reforma num muro. No entanto, ninguém foi chamado
11 para debater. Pelo contrário, o projeto de lei está sendo empurrado, para passar logo e não se falar
12 mais no assunto.
13 Não é difícil entender por quê.
14 Grana.
15 São Paulo funciona assim: há regras para construir, como costuma ser em cidades civilizadas.
16 Só que uma das regras diz que é possível descumprir algumas outras delas, pagando-se uma taxa à
17 prefeitura. É a chamada "outorga onerosa". Um exemplo: o máximo de área construída de um terreno
18 é a área do terreno (um prédio num terreno de 500 metros quadrados pode ter no máximo 500 metros
19 quadrados construídos somando todos os apartamentos). Só que, se a construtora pagar à prefeitura
20 uma taxa, pode construir até 4 vezes isso. A prefeitura arrecadou R$ 300 milhões desde 2002 com
21 essa taxa. Bela grana.
22 Só que há um limite. Cada bairro tem uma área máxima que se pode construir além do plano.
23 Mais que isso é impossível. E este limite está praticamente esgotado nas áreas nobres da cidade. Ou
24 seja: a torneirinha de grana está prestes a secar. O projeto de lei tramitando na Câmara é uma
25 confusão com centenas de emendas, então é difícil saber o que ele diz (ao contrário da carta simples e
26 direta que recebi em Palo Alto). Mas, pelo jeito, a intenção dele é relaxar esse limite, e relaxar
27 também outros limites (a área máxima construída passa a ser mais de 4 vezes, por exemplo).
28 Uma beleza, todo mundo ganha. As construtoras ganham porque podem construir mais e vender
29 mais. A prefeitura arrecada uma baba com a tal taxa. E você… Puts, acho que você não ganha não.
30 A tal "outorga onerosa" tem sido um incentivo para a ocupação da cidade crescer mais rápido
31 que a capacidade das vias, a disponibilidade de transporte público, de estacionamento (não vou nem
32 falar em ciclovias que vão achar que enlouqueci). Resultado: SP fica cada dia mais entupida e brutal.
33 Bom, isso quer dizer que a tal comissão vai votar pela ilegalidade do projeto de lei amanhã, certo?
34 Será? Dos 7 vereadores da comissão, 4 receberam doações de campanha da Associação Imobiliária
35 Brasileira, que representa os interesses das construtoras. De que lado você acha que eles vão votar?
BURGIERMAN, Denis Russo. Blog Sustentável é pouco. Revista Veja. Editora Abril. Disponível em
http://veja.abril.com.br/blog/denis-russo/arquivo/a-cidade-nao-quer-a-minha-opiniao/
De acordo com o texto, é correto afirmar que:
a)
cidades civilizadas, como Palo Alto, têm regras para construir. |
b)
às prefeituras, de modo geral, compete a criação de leis urbanas. |
c)
em São Paulo, inexistem regras bem definidas para a construção civil. |
d)
a legislação urbana brasileira é omissa no que se refere a áreas privadas. |
e)
a Associação Imobiliária Brasileira luta por regras benéficas à população. |
Segundo o autor, a chamada "outorga onerosa" (linha 17):
a)
representa um incentivo ao desenvolvimento sustentável. |
b)
causa ocupação desordenada e caótica do espaço urbano. |
c)
permite extrapolar ilimitadamente a área máxima de construção. |
d)
é uma forma de as prefeituras coibirem abusos das imobiliárias. |
e)
determina que a área construída deve ser igual à área do terreno. |
A expressão "outorga onerosa" (linha 17) está sendo usada em sentido técnico. Os termos que a compõem significam, respectivamente:
a)
"solicitação" - "difícil". |
b)
"concessão" - "taxada". |
c)
"permissão" - "danosa". |
d)
"doação" - "sacrificada". |
e)
"exceção" - "complicada". |
Com a metáfora "a torneirinha de grana está prestes a secar" (linha 24), o autor sugere que:
a)
o novo Plano Diretor de São Paulo, se aprovado, reduzirá os lucros das construtoras. |
b)
a prefeitura perderá dinheiro, se o limite de construção em áreas nobres for atingido. |
c)
as construtoras terão prejuízo, se a prefeitura receber mais "outorgas onerosas". |
d)
os vereadores deixarão de receber doações, se não votarem a favor da nova lei. |
e)
a "outorga onerosa" causará perdas à construção civil, caso os limites mudem. |
No trecho "[a construtora] pode construir até 4 vezes isso" (linha 20), o termo grifado se refere:
a)
ao valor da taxa paga à prefeitura. |
b)
ao máximo de 500 metros construídos. |
c)
à área do terreno em metros quadrados. |
d)
à soma de todos os apartamentos num prédio. |
e)
à área construída de terrenos em bairros nobres. |
No trecho "E você..." (linha 29), o autor suspende a frase para:
a)
simular mudança de direção do pensamento. |
b)
permitir aos leitores o término da frase. |
c)
evitar repetição de idéias já expressas. |
d)
sugerir receio de completar a frase. |
e)
mostrar dificuldade de raciocínio. |
No trecho "Puts, acho que você não ganha não" (linha 29), o autor:
a)
usa uma gíria inadequada ao contexto e ao gênero textual. |
b)
repete a forma não para reforçar o caráter negativo da declaração. |
c)
falha ao empregar você no singular para referir-se a todos os leitores. |
d)
emprega o modo indicativo para mostrar que endossa conclusões de terceiros. |
e)
faz uso do tempo presente com valor de passado, para se aproximar do leitor. |
No último parágrafo, o autor deixa implícito que:
a)
a Câmara dos Vereadores atua como defensora do povo. |
b)
o projeto de lei será julgado ilegal pela comissão da Câmara. |
c)
as votações dependem primariamente de jogos de interesses. |
d)
a comissão que julgará o projeto de lei é formada por 7 pessoas. |
e)
a Associação Imobiliária Brasileira fez doações para campanhas. |
O autor do texto 1 tem como objetivo principal:
a)
criticar a administração do espaço urbano em São Paulo. |
b)
informar as áreas construídas dos bairros paulistanos. |
c)
narrar suas experiências como morador de Palo Alto. |
d)
comparar a cidade de São Paulo com a Califórnia. |
e)
descrever a ocupação da cidade de São Paulo. |
A forma grifada em "e decidir se a reforma devia ou não ser autorizada" (linha 07) tem a mesma classificação que a destacada em:
a)
"Havia alguma dúvida (...) sobre se essa reforma contrariava ou não os códigos de construção da cidade." (linhas 04-06). |
b)
"o projeto de lei está sendo empurrado, para passar logo e não se falar mais no assunto" (linhas 11-12). |
c)
"é possível descumprir algumas outras delas, pagando-se uma taxa à prefeitura." (linhas 16-17). |
d)
"se a construtora pagar à prefeitura uma taxa, pode construir até 4 vezes isso" (linhas 19-20). |
e)
"Cada bairro tem uma área máxima que se pode construir além do plano" (linha 22). |
Copyright © Tecnolegis - 2010 - 2024 - Todos os direitos reservados.