01 Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. 35 Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes.Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Embora o texto apresente pontos de vista secundários, a tese central é a ideia de que:
a)
Joaquim Nabuco e José Bonifácio foram os maiores estadistas brasileiros. |
b)
a construção de Brasília foi motivada por uma razão pouco nobre. |
c)
recomeçar, reinaugurar ou refundar algo acontece raras vezes na história. |
d)
o atual governo brasileiro acredita que recomeçará a história do país. |
Segundo o raciocínio do articulista, o que aproxima, do ponto de vista político, Joaquim Nabuco, José Bonifácio, Juscelino Kubitschek, os militares que governaram o país mais recentemente e o atual governo brasileiro é:
a)
a crença na possibilidade de recomeço ou de refundação. |
b)
o investimento em um sistema de educação abrangente. |
c)
o objetivo de levarem a efeito o sonho da reforma agrária. |
d)
o desejo de criar um povo com características próprias. |
Conforme o que se pode ler sobre as qualidades de "dinâmico" (L. 5), "justo" (L. 6) e "moderno" (L. 7) aplicadas ao Brasil estão na perspectiva da:
a)
certeza. |
b)
ilusão. |
c)
projeção. |
d)
mentira. |
Na passagem a seguir, "José Bonifácio está fora das datas redondas que serão lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço - merece uma carona neste texto, por isso" (L. 11-12), o articulista sugere, ao empregar o vocábulo "carona", o ponto de vista de que José Bonifácio:
a)
seria um nome secundário entre os grandes nomes da história do Brasil, se comparado com vultos como Joaquim Nabuco. |
b)
embora ocupe um lugar de destaque na construção da pátria brasileira, não é festejado no ano de 2010. |
c)
representa uma geração que defendia valores antigos, como a Monarquia Constitucionalista. |
d)
não reúne as características de audácia, de dinamismo, de senso de justiça e de modernidade que marcaram Juscelino Kubitschek, por exemplo. |
Nos trechos "São duas efemérides que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante" (L. 1-2) e "porque avançava por sertões ignotos" (L. 5), as palavras sublinhadas significam, respectivamente:
a)
comemoração de um fato importante / o que é desconhecido. |
b)
agenda em que se relacionam acontecimentos de cada dia / ignorante. |
c)
o que dura pouco / sem brilho, apagado, humilde. |
d)
aquilo que é produzido por uma causa / vergonhoso, que causa desonra. |
O articulista emprega as aspas por variados motivos, um deles é impor um tom de censura irônica ao que diz. Assinale a alternativa em que todos os usos das aspas devem assim ser entendidos:
a)
"democratização do solo" (L. 21); "capital da esperança" (L. 27); "desenvolvimentismo" (L. 36); "milagre econômico" (L. 37). |
b)
"capital da esperança" (L. 27); "Falo, falo, e não digo o essencial" (L. 32); "desenvolvimentismo" (L. 36); "desta vez vai" (L. 37). |
c)
"capital da esperança" (L. 27); "desenvolvimentismo" (L. 36); "milagre econômico" (L. 37); "desta vez vai" (L. 37). |
d)
"democratização do solo" (L. 21); "capital da esperança" (L. 27); "desenvolvimentismo" (L. 36); "desta vez vai" (L. 37). |
A construção "Era a aurora de um país destemido" (L. 4-5) contém a seguinte figura de linguagem:
a)
prosopopeia. |
b)
metáfora. |
c)
hipérbole. |
d)
metonímia. |
Em "São duas efemérides que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante - ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço." (L. 1-2), o travessão simples é utilizado para:
a)
indicar a mudança de interlocutor. |
b)
isolar palavras ou frases, em função análoga à dos parênteses. |
c)
destacar a parte final de um enunciado. |
d)
dar realce a uma conclusão, em lugar dos dois pontos. |
No período "O essencial é o seguinte: //nunca antes neste país houve um governo tão imbuído da ideia // de que veio // para recomeçar a história." (L. 32-33), a oração sublinhada é classificada como:
a)
coordenada assindética. |
b)
subordinada substantiva completiva nominal. |
c)
subordinada substantiva objetiva indireta. |
d)
subordinada substantiva apositiva. |
Assinale a alternativa em que as orações dos períodos estão corretamente segmentadas:
a)
"Lembrar de Nabuco é // lembrar da abolição da escravatura, // movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, // e com certeza o mais elegante" (L. 2-4). |
b)
"Bonifácio ousou // querer // dotar o jovem estado brasileiro de um povo" (L. 17). |
c)
"José Bonifácio está fora das datas redondas que serão lembradas neste ano, // mas é outro // que personifica um recomeço //- merece uma carona neste texto, por isso" (L. 11-12). |
d)
"Falta demonstrar que, //em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido" (L. 30). |
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