Dizem-me que mais da metade da humanidade se dedica à prática dessa arte; mas eu, que apenas recente e provisoriamente a estou experimentando, discordo um pouco dessa afirmativa. Não existe tal quantidade de gente completamente inativa: o que acontece é estar essa gente interessada em atividades exclusivamente pessoais, sem consequências úteis para o resto do mundo.
Aqui me encontro num excelente posto de observação: o lago, em frente à janela, está sendo percorrido pelos botes vermelhos em que mesmo a pessoa que vai remando parece não estar fazendo nada. Mas o que verdadeiramente está acontecendo, nós, espectadores, não sabemos: cada um pode estar vivendo o seu drama ou o seu romance, o que já é fazer alguma coisa, embora tais vivências em nada nos afetem.
E não posso dizer que não estejam fazendo nada aqueles que passam a cavalo, subindo e descendo ladeiras, atentos ao trote ou ao galope do animal.
Há homens longamente parados a olhar os patos na água. Esses, dir-se-ia que não fazem mesmo absolutamente nada: chapeuzinho de palha, cigarro na boca, ali se deixam ficar, como sem passado nem futuro, unicamente reduzidos àquela contemplação. Mas quem sabe a lição que estão recebendo dos patos, desse viver anfíbio, desse destino de navegar com remos próprios, dessa obediência de seguirem todos juntos, enfileirados, para a noite que conhecem, no pequeno bosque arredondado? Pode ser um grande trabalho interior, o desses homens simples, aparentemente desocupados, à beira de um lago tranquilo. De muitas experiências contemplativas se constrói a sabedoria, como a poesia. E não sabemos − nem eles mesmos sabem − se este homem não vai aplicar um dia o que neste momento aprende, calado e quieto, como se não estivesse fazendo nada, absolutamente nada.
(Cecília Meireles, O que se diz e o que se entende)
A autora discorda da afirmação de que boa parte da humanidade pratica a arte de não fazer nada porque julga que
a)
há muito trabalho convencional que não é reconhecido como tal. |
b)
o trabalho só deve ser avaliado na medida de sua utilidade social. |
c)
há muitas formas de se fazer algo que não aparecem como consequentes. |
d)
a máxima produtividade costuma decorrer de um máximo de repouso. |
e)
o conceito de trabalho vem sendo alterado no quadro da vida moderna. |
Atente para as seguintes afirmações:
I. No 1.º parágrafo, a autora considera a distinção entre o que pode ter valor na esfera privada e o que tem valor na esfera pública.
II. No 2.º parágrafo, a autora afirma que uma cena observada pode conter elementos significativos, incompreensíveis para o observador.
III. No 4.º parágrafo, a autora vale-se de elementos típicos de uma cena de aparente ócio para valorizar o trabalho oculto da sábia contemplação.
Em relação ao texto, está correto o que se afirma em
a)
I, II e III. |
b)
I e II, somente. |
c)
I e III, somente. |
d)
II, somente. |
e)
II e III, somente. |
Considerando elementos construtivos desse texto, é correto afirmar que a autora se vale das expressões
a)
Dizem-me e discordo um pouco (1.º parágrafo) para acentuar o caráter objetivo e taxativo da argumentação em curso. |
b)
Aqui me encontro e nós, espectadores (2.º parágrafo) para atribuir, com essa variação pronominal, maior largueza à perspectiva pessoal. |
c)
absolutamente nada e reduzidos àquela contemplação (4.º parágrafo) para descrever uma situação de inatividade absoluta. |
d)
a lição que estão recebendo e navegar com remos próprios (4.º parágrafo) para referir ações praticadas pelos mesmos agentes. |
e)
experiências contemplativas e como a poesia (4.º parágrafo) para explorar o efeito de uma contradição. |
O segmento como se não estivesse fazendo nada (4.º parágrafo) tem, no contexto, o sentido de:
a)
ainda que nada estivesse fazendo. |
b)
muito embora não estivesse fazendo nada. |
c)
apesar de que não estava fazendo nada. |
d)
supostamente nada fazendo. |
e)
conquanto nada fizesse. |
De muitas experiências contemplativas se constrói a sabedoria, como a poesia. (4.º parágrafo)
Considerando-se o contexto, uma nova, correta e coerente redação do que se afirma na frase acima é:
a)
A sabedoria é, como a poesia, a contemplação de muitas experiências que se constroem. |
b)
O que resulta da construção da sabedoria são experiências contemplativas, assim como a da poesia. |
c)
A sabedoria e a poesia, como construções de sabedoria, acabam por levar a experiências contemplativas. |
d)
São as experiências contemplativas, como a sabedoria e a poesia, com as quais se podem construir. |
e)
A sabedoria, tal como a poesia, é construída a partir de várias experiências contemplativas. |
O verbo indicado entre parênteses deverá flexionar-se obrigatoriamente numa forma do singular para preencher de modo correto a lacuna da frase:
a)
Caso não se ...... (verificar) consequências úteis de determinada atividade, ela será tida como inteiramente ociosa. |
b)
A menos que ...... (haver) apanhado um peixe grande, zombaremos deles quando voltarem do lago diante do qual ficam a cismar. |
c)
Aos que acham que com um pato nada ...... (poder) aprender, a escritora sugere observar seus movimentos e sua disciplina na água. |
d)
Não ...... (caber) aos que costumam ficar longamente meditando à beira de um lago justificar seu estado de contemplação. |
e)
É melhor que se ...... (reservar) para a contemplação as horas que costumamos gastar em esforços inúteis. |
Transpondo-se para a voz passiva a frase Cada um pode estar vivendo os seus dramas, a forma verbal resultante será:
a)
poderá tê-los vivido. |
b)
podem estar sendo vividos. |
c)
podem viver-se. |
d)
pode-se vivê-los. |
e)
podem-se estar a vivê-los. |
Está clara e correta a redação deste livre comentário sobre o texto:
a)
Cecília Meireles, nessa crônica, considera que a arte de não fazer nada é muito enganosa, sendo frequente que aconteça o contrário. |
b)
Nessa crônica, Cecília Meireles não deixa de fazer uma defesa do ócio, conquanto ele seja útil, ao menos para aquele que lhe diz respeito. |
c)
Contra a ideia de que a desocupação é uma tarefa inútil, Cecília Meireles prefere defender que nem todo trabalho deixa de ter consequências. |
d)
Cronista e poetisa sensível, Cecília Meireles não despreza os momentos onde ficamos absortos, aprendendo e desfrutando com a vida. |
e)
Sendo também poetisa, a cronista Cecília Meireles valoriza, em seu texto, aquele tipo de aprendizado que deriva das horas de contemplação. |
Está inteiramente adequada a pontuação da frase:
a)
Aqueles homens que ficam à beira de um lago, não costumam fazer nada mais, pois acham com razão, que já há atividade nessa contemplação. |
b)
Aqueles homens, que ficam à beira de um lago não costumam fazer nada mais, pois acham, com razão: que já há atividade nessa contemplação. |
c)
Aqueles homens que ficam à beira de um lago não costumam fazer nada mais, pois acham, com razão, que já há atividade nessa contemplação. |
d)
Aqueles homens que ficam à beira de um lago, não costumam fazer nada mais: pois acham com razão que já há atividade nessa contemplação. |
e)
Aqueles homens, que ficam à beira de um lago não costumam fazer nada mais ? pois acham, com razão, que já há atividade, nessa contemplação. |
Está adequado o emprego do elemento sublinhado em:
a)
A prática da arte de não fazer nada, à qual muita gente se devota, é valorizada pela autora. |
b)
A arte de não fazer nada, da qual muita gente se insurge, costuma ser mal compreendida. |
c)
Inútil querer combater a arte de não fazer nada, de cuja muita gente é praticante e entusiasta. |
d)
Não se imagine que a arte de não fazer nada, da qual a autora mostra bem compreender, deva justificar a mera preguiça ou indolência. |
e)
É na arte de não fazer nada, com a qual poucos respeitam, que muito gênio acabou encontrando inspiração para suas descobertas. |
Copyright © Tecnolegis - 2010 - 2024 - Todos os direitos reservados.