Nasci na Rua Faro, a poucos metros do Bar Joia, e, muito antes de ir morar no Leblon, o Jardim Botânico foi meu quintal. Era ali, por suas aleias de areia cor de creme, que eu caminhava todas as manhãs de mãos dadas com minha avó. Entrávamos pelo portão principal e seguíamos primeiro pela aleia imponente que vai dar no chafariz. Depois, íamos passear à beira do lago, ver as vitórias-régias, subir as escadarias de pedra, observar o relógio de sol. Mas íamos, sobretudo, catar mulungu.
Mulungu é uma semente vermelha com a pontinha preta, bem pequena, menor do que um grão de ervilha. Tem a casca lisa, encerada, e em contraste com a pontinha preta seu vermelho é um vermelho vivo, tão vivo que parece quase estranho à natureza. É bonita. Era um verdadeiro prêmio conseguir encontrar um mulungu em meio à vegetação, descobrir de repente a casca vermelha e viva cintilando por entre as lâ- minas de grama ou no seio úmido de uma bromélia. Lembro bem com que alegria eu me abaixava e estendia a mão para tocar o pequeno grão, que por causa da ponta preta tinha uma aparência que a mim lembrava vagamente um olho.
Disse isso à minha avó e ela riu, comentando que eu era como meu pai, sempre prestava atenção nos detalhes das coisas. Acho que já nessa época eu olhava em torno com olhos mínimos. Mas a grandeza das manhãs se media pela quantidade de mulungus que me restava na palma da mão na hora de ir para casa. Conseguia às vezes juntar um punhado, outras vezes apenas dois ou três. E é curioso que nunca tenha sabido ao certo de onde eles vinham, de que árvore ou arbusto caíam aquelas sementes vermelhas. Apenas sabíamos que surgiam no chão ou por entre as folhas e sempre numa determinada região do Jardim Botânico.
Mas eu jamais seria capaz de reconhecer uma árvore de mulungu. Um dia, procurei no dicionário e descobri que mulungu é o mesmo que corticeira e que também é conhecido pelo nome de flor-de-coral. ''Árvore regular, ornamental, da família das leguminosas, originária da Amazônia e de Mato Grosso, de flores vermelhas, dispostas em racimos multifloros, sendo as sementes do fruto do tamanho de um feijão (mentira!), e vermelhas com mácula preta (isto, sim)'', dizia.
Mas há ainda um outro detalhe estranho – é que não me lembro de jamais ter visto uma dessas sementes lá em casa. De algum modo, depois de catadas elas desapareciam e hoje me pergunto se não era minha avó que as guardava e tornava a despejá-las nas folhagens todas as manhãs, sempre que não estávamos olhando, só para que tivéssemos o prazer de encontrá-las. O fato é que não me sobrou nenhuma e elas ganharam, talvez por isso, uma aura de magia, uma natureza impalpável. Dos mulungus, só me ficou a memória − essa memó- ria mínima.
(Adaptado de: SEIXAS, Heloísa. Semente da Memória. Disponível em: http://heloisaseixas.com.br)
Com respeito à pontuação, atente para as seguintes afirmações:
I. Na frase Conseguia às vezes juntar um punhado, outras vezes apenas dois ou três (3.º parágrafo), pode-se acrescentar uma vírgula imediatamente antes de apenas, mantendo-se a correção e o sentido.
II. No 4.º parágrafo, os parênteses indicam juízos da escritora, que, portanto, não constam da definição encontrada no dicionário.
III. No segmento O fato é que não me sobrou nenhuma e elas ganharam, talvez por isso... (5.º parágrafo), pode-se acrescentar uma vírgula imediatamente antes de "e", sem prejuízo para a correção e o sentido.
Está correto o que consta em
a)
II e III, apenas. |
b)
II, apenas. |
c)
I e II, apenas. |
d)
I, II e III. |
e)
I e III, apenas. |
De acordo com o texto,
a)
o modo como a autora apresenta a definição da planta mulungu, a partir do dicionário, permite-lhe inferir como seriam as sementes, cuja lembrança já desgastada pauta-se por um critério muito mais afetivo do que visual. |
b)
as sementes de mulungu terminam por ser um pretexto para que a autora retrate, com a narração de um causo, sua relação com a avó e a memória guardada do pai, que não participava das caminhadas pelo Jardim Botânico. |
c)
apesar da preocupação da avó, para quem as bromélias e a grama − note-se o termo lâminas a ela associado − punham a criança em risco, o convívio com a natureza era o principal motivo das visitas diárias ao Jardim Botânico. |
d)
o mulungu era colhido pela autora quando criança, em seus passeios pelo Jardim Botânico, mas era pouco valorizado por sua avó, que secretamente se desfazia das sementes ornamentais que a neta encontrava. |
e)
hoje a escritora guarda uma memória pequena como as sementes do mulungu, mas tão expressiva quanto aquelas manhãs em que sua avó a levava para passear no Jardim Botânico. |
A expressão olhos mínimos (3.º parágrafo)
a)
confere humor à relação entre neta e avó, que se ria ao lembrar das semelhanças entre a neta e seu pai, ambos apegados a coisas insignificantes. |
b)
chama a atenção do leitor para uma característica da avó, que se maravilha com o encantamento da criança pela diversidade da natureza. |
c)
reflete o olhar atento às minúcias, característica que encontrava semelhança no pai da autora e que continua a lhe acompanhar. |
d)
indica os olhos diminutos com que a autora, ainda criança, já dedicava atenção à natureza, dada a conhecer por sua avó, diferente dela nesse aspecto. |
e)
ilustra, por contraposição, a atenção devotada pela autora aos aspectos grandiosos da natureza deslindada por sua avó. |
Atribuindo-se sentido hipotético para o segmento E é curioso que nunca tenha sabido ao certo de onde eles vinham... (3.º parágrafo), os verbos devem assumir as seguintes formas:
a)
teria sido − soubesse − viriam |
b)
será − saiba − virão |
c)
era − tivesse sabido − viriam |
d)
fora − tivera sabido − vieram |
e)
seria − tivesse sabido − viriam |
No segmento de que árvore ou arbusto caíam aquelas sementes vermelhas (3.º parágrafo), o termo sublinhado pode ser substituído corretamente por:
a)
de quanta |
b)
de cujos |
c)
de cuja |
d)
os quais |
e)
de qual |
O segmento sublinhado que introduz uma explicação encontra-se em:
a)
... só para que tivéssemos o prazer de encontrá-las. (5.º parágrafo) |
b)
... é que não me lembro de jamais ter visto... (5.º parágrafo) |
c)
Depois, íamos passear à beira do lago... (1.º parágrafo) |
d)
O fato é que não me sobrou nenhuma... (5.º parágrafo) |
e)
... estendia a mão para tocar o pequeno grão... (2.º parágrafo) |
O termo "que" NÃO é um pronome em:
a)
... que por causa da ponta preta... (2.º parágrafo) |
b)
... que também é conhecido pelo nome de flor-de-coral. (4.º parágrafo) |
c)
... que vai dar no chafariz. (1.º parágrafo) |
d)
... que me restava na palma da mão na hora de ir para casa. (3.º parágrafo) |
e)
... com que alegria eu me abaixava... (2.º parágrafo) |
Mas a grandeza das manhãs se media pela quantidade de mulungus... (3.º parágrafo)
Na frase acima, alterando-se de voz passiva sintética para analítica, a forma verbal resultante é:
a)
tinha sido medida |
b)
tinham sido medidos |
c)
era medida |
d)
eram medidas |
e)
seria medida |
Quanto à ocorrência de crase, considere as frases abaixo.
I. No segmento ... encontrar um mulungu em meio à vegetação... (2.º parágrafo), pode-se substituir corretamente o elemento sublinhado por "por entre", sem que nenhuma outra alteração seja feita.
II. No segmento Disse isso à minha avó e ela riu... (3.º parágrafo), pode-se suprimir o artigo definido sem prejuízo para o sentido e a correção.
III. Uma redação correta para o segmento ... na hora de ir para casa (3.º parágrafo), caso se substitua a preposição "em" por "a", é: "à hora de ir para casa".
Está correto o que consta em
a)
I, II e III. |
b)
I, apenas. |
c)
III, apenas. |
d)
II e III, apenas. |
e)
I e II, apenas. |
Está correto o que se afirma em:
a)
No segmento ... uma aura de magia, uma natureza impalpável (5.º parágrafo), o termo sublinhado pode ser substituído por seu sinônimo "imperceptível", mantendo-se o mesmo sentido. |
b)
Na frase Era ali, por suas aleias de areia cor de creme, que eu caminhava todas as manhãs de mãos dadas com minha avó (1.º parágrafo), mantém-se a correção caso se suprima o verbo inicial juntamente com o termo "que". |
c)
No trecho De algum modo, depois de catadas elas desapareciam... (5.º parágrafo), a ordem das palavras pode ser alterada para "Depois de catadas de algum modo, elas desapareciam", sem que se altere o sentido original. |
d)
Na frase Disse isso à minha avó e ela riu, comentando que eu era como meu pai, sempre prestava atenção nos detalhes das coisas (3.º parágrafo), os verbos sublinhados se referem à mesma pessoa. |
e)
Em Mas há ainda um outro detalhe estranho ... (5.º parágrafo), a flexão do verbo se deve ao elemento sublinhado. |
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