Não é preciso assistir a 12 Anos de Escravidão para saber que a prática foi uma das maiores vergonhas da humanidade. Mas é preciso corrigir o tempo do verbo. Foi? Melhor escrever a frase no presente. A escravidão ainda é uma das maiores vergonhas da humanidade. E o fato de o Ocidente não ocupar mais o topo da lista como responsável pelo crime não deve ser motivo para esquecermos ou escondermos a infâmia.
Anos atrás, lembro-me de um livro aterrador de Benjamin Skinner que ficou gravado nos meus neurônios. Seu título era A Crime So Monstrous (Um crime tão monstruoso) e Skinner ocupava-se da escravidão moderna para chegar à conclusão aterradora: existem hoje mais escravos do que em qualquer outra época da história humana.
Skinner não falava apenas de novas formas de escravidão, como o tráfico de mulheres na Europa ou nos Estados Unidos. A escravidão que denunciava com dureza era a velha escravidão clássica − a exploração braçal e brutal de milhares ou milhões de seres humanos trabalhando em plantações ou pedreiras ao som do chicote. [...]
Pois bem: o livro de Skinner tem novos desenvolvimentos com o maior estudo jamais feito sobre a escravidão atual. Promovido pela Associação Walk Free, o Global Slavery Index é um belo retrato da nossa miséria contemporânea. [...]
A Índia, tal como o livro de Benjamin Skinner já anunciava, continua a espantar o mundo em termos absolutos com um número que hoje oscila entre os 13 milhões e os 14 milhões de escravos. Falamos, na grande maioria, de gente que continua a trabalhar uma vida inteira para pagar as chamadas "dívidas transgeracionais" em condições semelhantes às dos escravos do Brasil nas roças.
Conclusões principais do estudo? Pessoalmente, interessam-me duas. A primeira, segundo o Global Slavery Index, é que a escravidão é residual, para não dizer praticamente inexistente, no Ocidente branco e "imperialista".
De fato, a grande originalidade da Europa não foi a escravidão; foi, pelo contrário, a existência de movimentos abolicionistas que terminaram com ela. A escravidão sempre existiu antes de portugueses ou espanhóis comprarem negros na África rumo ao Novo Mundo. Sempre existiu e, pelo visto, continua a existir.
Mas é possível retirar uma segunda conclusão: o ruidoso silêncio que a escravidão moderna merece da intelectualidade progressista. Quem fala, hoje, dos 30 milhões de escravos que continuam acorrentados na África, na Ásia e até na América Latina? [...]
O filme de Steve McQueen, 12 Anos de Escravidão, pode relembrar ao mundo algumas vergonhas passadas. Mas confesso que espero pelo dia em que Hollywood também irá filmar as vergonhas presentes: as vidas anônimas dos infelizes da Mauritânia ou do Haiti que, ao contrário do escravo do filme, não têm final feliz.
(Adaptado de: COUTINHO, João Pereira. "Os Escravos". Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br)
De acordo com o texto,
a)
é de se estranhar o silêncio votado à questão escravocrata, muito provavelmente por envolver regiões como a Europa, que se utilizam, ainda que indiretamente, de trabalho escravo. |
b)
nunca houve tantos escravos no mundo, a despeito de terem sidos bem-sucedidos os primeiros movimentos, surgidos na Europa, que lutaram por extinguir a escravidão dos negros africanos. |
c)
as novas formas de escravidão, se não constituem a maioria dos casos, obscurecem a importância devida à antiga escravidão, ainda bastante disseminada, como mostra o filme 12 Anos de Escravidão. |
d)
a escravidão moderna, como ocorre na Mauritânia e no Haiti, é, em termos sociais, diferente da escravidão antiga, visto que dissimulada, pois se trata de trabalho formal, mas em condições sub-humanas. |
e)
o número de escravos aumentou no século XX, sobretudo em países pobres, muito embora movimentos abolicionistas da Europa a tenham eliminado das nações sulamericanas. |
Os termos infâmia(1.º parágrafo), Promovido(4.º parágrafo) e que(7.º parágrafo) referem-se respectivamente a:
a)
lista - Global Slavery Index- escravidão |
b)
humanidade - um belo retrato - existência |
c)
escravidão - um belo retrato - existência |
d)
escravidão - Global Slavery Index- movimentos abolicionistas |
e)
lista - livro - movimentos abolicionistas |
O verbo em negrito deve sua flexão ao elemento sublinhado em:
a)
A Índia, tal como o livro de Benjamin Skinner já anunciava... |
b)
... com um número que hoje oscila entre os 13 milhões... |
c)
Pessoalmente, interessam- me duas. |
d)
A escravidão que denunciava com dureza.. |
e)
... o ruidoso silêncio que a escravidão moderna merece... |
De fato, a grande originalidade da Europa não foi a escravidão; foi, pelo contrário , a existência de movimentos abolicionistas que terminaram com ela. (7.º parágrafo)
Mantém-se, em linhas gerais, o sentido da frase, substituindo-se o segmento grifado por:
a)
foi não obstante a escravidão, apesar da existência. |
b)
não só foi a escravidão, mas também a existência. |
c)
ao invés de ter sido a escravidão, mas a existência. |
d)
não foi a escravidão, mas, sim, a existência. |
e)
não foi a escravidão, todavia, sem a existência. |
Atente para as afirmações, abaixo, sobre o texto:
I. Com a substituição de que(1.º parágrafo) por "se", atribui-se caráter hipotético ao que se diz em seguida.
II. Sem prejuízo para a correção, pode-se isolar com vírgulas o título do livro A Crime So Monstrous (2.º parágrafo), como ocorre, no último parágrafo, com o título do filme 12 Anos de Escravidão.
III. O travessão empregado no 3.º parágrafo introduz uma explicação, função semelhante à dos dois-pontos empregados no último parágrafo.
Está correto o que consta APENAS em
a)
I e III. |
b)
I. |
c)
I e II. |
d)
II. |
e)
II e III. |
No contexto dado, possui a mesma regência do verbo presente no segmento A escravidão que denunciava com dureza, o que se encontra sublinhado em:
a)
Quem fala, hoje, dos 30 milhões de escravos... (8.º parágrafo) |
b)
... número que hoje oscila entre os 13 milhões e os 14 milhões... (5.º parágrafo) |
c)
... antes de portugueses ou espanhóis comprarem negros na África rumo ao Novo Mundo. (7.º parágrafo) |
d)
... o Global Slavery Index é um belo retrato da nossa miséria... (4.º parágrafo) |
e)
Não é preciso assistir a 12 Anos de Escravidão... (1.º parágrafo) |
Mas é possível retirar uma segunda conclusão... (8.º parágrafo)
... pode relembrar ao mundo algumas vergonhas... (último parágrafo)
... não têm final feliz. (último parágrafo)
Os segmentos sublinhados acima são corretamente substituídos por pronomes em:
a)
retirá-la - relembrar-lhe - o têm |
b)
retirá-la - relembrá-las - têm-no |
c)
retirar-lhe - lhe relembrar - têm-no |
d)
a retirar - relembrá-lo - o têm |
e)
lhe retirar - o relembrar - o têm |
O termo entre parênteses preenche corretamente a lacuna da frase em:
a)
A mudança, começaram ...... senti-la apenas os descendentes dos escravos. (à) |
b)
Não foi apenas com o intuito de libertar ...... escravos que se promulgou a lei Áurea. (aos) |
c)
As condições iniciais dos libertos eram muito próximas ...... de escravidão. (as) |
d)
...... vésperas do século XXainda eram debatidas questões como a escravidão. (Às) |
e)
Muito embora lhes fosse conferida ...... condição de liberto, muitos continuavam subjugados. (à) |
Eu pertenço a uma família de profetas après coup, post factum*, depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário for, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.
Neste jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em falta de outro melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três (anos de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico.
No golpe do meio (coup du milieu, mas eu prefiro falar a minha língua), levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que acompanhando as ideias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que os homens não podiam roubar sem pecado.
Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu sobrinho) pegou de outra taça, e pediu à ilustre assembleia que correspondesse ao ato que acabava de publicar, brindando ao primeiro dos cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro discurso agradecendo, e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
− Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...
− Oh! meu senhô! fico.
− ...Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo; tu cresceste imensamente. Quando nasceste, eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos...
− Artura não qué dizê nada, não, senhô...
− Pequeno ordenado, repito, uns seis mil réis; mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha. Justamente. Pois seis mil réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete.
Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí pra cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre. [...]
*Literalmente, “depois do golpe”, “depois do fato”.
(Adaptado de: ASSIS, Machado de. "Bons dias!", Gazeta de Notícias, 19 de maio de 1888)
O texto
a)
reconhece o mérito das mudanças políticas de então, ironizando a hierarquia social que antes predominava entre escravo e senhor. |
b)
mostra como um avanço social, na verdade, beneficia a todos: o escravo se torna livre, seu antigo dono adquire prestígio social. |
c)
reflete o entusiasmo com que foi tomada a libertação dos escravos no Brasil, a partir do relato de uma situação particular. |
d)
faz ressalvas ao processo político que envolveu o fim da escravidão, visto que os títulos concedidos não possuíam valor legal. |
e)
trata o fim da escravidão com ironia, mostrando como uma simples carta de alforria não significava mudança da condição social do escravo. |
O diálogo que se desenvolve a partir do 5.º parágrafo
a)
contrasta a altura do empregado com a pequenez inicial de seu salário, de maneira que se compreenda a prosperidade da nova condição de assalariado. |
b)
evidencia, em frases como Tu vales muito mais que uma galinha,o valor humano que passam a ter os que eram antes considerados simples mercadoria. |
c)
ilustra, em frases como Artura não qué dizê nada, não, senhô...,a mentalidade a que estava condicionado o escravo, que chega a falar em detrimento de si próprio. |
d)
prevê o novo padrão das relações de trabalho, pautado por diálogo e negociação de direitos, persistente até a atualidade com empregados domésticos. |
e)
demonstra a afeição que ligava senhor e escravo, rompida com o fim do regime de escravidão, como se pode ver nos parágrafos seguintes. |
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