Gilda de Mello e Souza dizia que o Brasil é muito bom nas novelas. Para ter público, a novela precisa dispor de personagens de todas as classes sociais, explicava ela, o que exige uma trama complexa. Acrescento: a mobilidade social é decisiva nas novelas e se dá sobretudo pelo amor entre ricos e pobres. Provavelmente as novelas exibam casos de ascensão social pelo amor – genuíno ou fingido – em proporção maior que a vida real .... Mas a novela não é um retrato do Brasil, ou melhor, é sim, mas como aqueles retratos antigos do avô e da avó, fotografados em preto e branco, mas, depois, cuidadosamente retocados e coloridos. O fundo é real. A tela: ideais, sonhos, fantasias.
Novelas vivem de conflitos. Eles são movidos, quase todos, pela oposição do bem e do mal. Esse confronto dramático nos empolga. Talvez por isso a democracia não nos empolgue tanto, no seu dia a dia: porque, nela, os conflitos são a norma e não a exceção. Ela é o único regime em que divergir, sem ter de se explicar e justificar, é legítimo. Quando uma democracia funciona bem, não escolhemos em razão da honestidade e competência – que deveriam existir nos dois ou mais lados em concorrência – mas com base nos valores que preferimos, por exemplo, liberalismo ou socialismo. Mas nossa tendência, mesmo nas democracias, é converter as eleições em lutas do bem contra o mal. É demonizar o adversário, transformá- lo em inimigo. Creio que isso explica por que a democracia, uma vez instalada, empolga menos que a novela. De noite, dá mais prazer reeditar o *ágon milenar do bem e do mal, do que aceitar que os conflitos fazem parte essencial da vida e, portanto, as duas partes podem ter alguma razão. Aliás, há muitos séculos que é encenada essa situação de confronto irremediável entre dois lados que têm razão: desde os gregos antigos, tem o nome de tragédia. A democracia é uma tragédia sem final infeliz – ou, talvez, sem final.
As novelas recompensam, em geral, os bons. Mas eles são bons só na vida privada. É difícil alguém se empenhar em melhorar a cidade, a sociedade. As personagens boas são afetuosas, solidárias, mas não têm vida pública. As personagens más são menos numerosas, mas são indispensáveis. Condimentam a trama. Seu destino é mais variado, e assim deve ser, se quisermos uma boa novela. Não podem ser todas punidas, nem sair todas impunes.
* ágon – elemento de origem grega: assembleia; local onde se realizam jogos sacros e lutas; luta.
(Trecho do artigo de Renato Janine Ribeiro. O Estado de S. Paulo,
C2+música, D17, 11 de setembro de 2010, com adaptações.)
De acordo com o texto,
a)
as novelas são mais interessantes do que qualquer disputa eleitoral, porque elas trazem novidades que não se encontram em um regime democrático que funciona bem. |
b)
os conflitos extremos mostrados nas novelas despertam maior interesse do que a rotina diária, em que os fatos e opiniões nem sempre despertam maior entusiasmo nas pessoas. |
c)
a rotina da vida diária, mesmo em regimes democráticos, acaba premiando apenas os bons, deixando de lado pessoas más, que geralmente se livram das merecidas punições. |
d)
a deturpação da vida real nas novelas, que se voltam acentuadamente para sonhos e fantasias, pode transformá-las em fator alienante dos problemas normalmente existentes em uma democracia. |
e)
as emoções trazidas pelos conflitos que surgem nas novelas nem sempre são suficientes para despertar sentimentos mais nobres nas pessoas, que tendem rotineiramente para comportamentos antiéticos. |
Conclui-se do texto que democracia:
a)
pode levar as pessoas a situações de fantasia, distantes do mundo real, tal como se faz em novelas que despertam grande audiência. |
b)
tende a nivelar o comportamento das pessoas, padronizando seus desejos, tendo em vista que as oportunidades de realização são iguais para todos. |
c)
exige, assim como nas novelas, que seus desdobramentos sejam acompanhados de perto por todos, para que as coisas boas sempre superem as más. |
d)
é sempre um processo dinâmico, em que opiniões, valores e escolhas pessoais divergentes se manifestam no fluxo diário da convivência social. |
e)
nem sempre parece ser o melhor regime, pois as pessoas, mesmo de índoles diferentes, convivem tranquilamente na sociedade, sem quaisquer restrições. |
No 1° parágrafo, o autor:
a)
incorpora uma opinião alheia sobre as novelas como base para iniciar o desenvolvimento de suas próprias ideias a respeito desse tema. |
b)
estabelece a oposição básica que perpassa todo o assunto do texto, entre sinceridade e fingimento, que também vai nortear o debate político na democracia. |
c)
se vale da ficção apresentada nas novelas como imagem diluída de uma sociedade permissiva, que aceita, sem restrições, comportamentos antiéticos. |
d)
condena o uso, muitas vezes indevido, de um sentimento amoroso que deveria unir pessoas, como meio válido de ascensão social. |
e)
critica o hábito, comum em autores de novelas, de criar conflitos nem sempre válidos, para tornar a trama mais atraente. |
A referência, no 1° parágrafo, aos retratos retocados e coloridos:
a)
acentua o caráter alienante das novelas, cuja trama desconsidera os reais problemas a serem enfrentados pelas pessoas envolvidas no enredo. |
b)
demonstra a capacidade de disfarce que caracteriza as personagens de má índole, que dão vida ao desenrolar da novela. |
c)
aponta para o papel da ficção que, embora se baseie em fatos e personagens reais, cria situações fantasiosas, que preenchem o imaginário popular. |
d)
alerta para o constante desvirtuamento, mostrado nas novelas, de valores básicos da sociedade, sugerindo modelos de comportamentos antiéticos. |
e)
reproduz as atitudes previamente preparadas pelos maus para prejudicar os bons, atraindo o interesse daqueles dispostos a acompanhar o drama novelesco. |
O fundo é real. A tela: ideais, sonhos, fantasias. (final do 1° parágrafo) Com outras palavras, o sentido do que se diz acima está corretamente reproduzido em:
a)
Sendo a verdadeira realidade, na representação de ideais, sonhos e fantasias. |
b)
A base dos fatos é verdadeira, mas na tela surgem ideais, sonhos, fantasias. |
c)
No fundo da história, é a verdade, que na tela só tem ideais de sonhos e fantasias. |
d)
A realidade é vista com profundidade, conquanto na tela se veja ideais de sonhos fantasiosos. |
e)
Os ideais, sonhos e fantasias da tela se transformam na mais profunda verdade. |
Provavelmente as novelas exibam casos de ascensão social pelo amor - genuíno ou fingido - em proporção maior que a vida real ... (1° parágrafo)
O emprego das reticências no final do segmento transcrito acima denota:
a)
nova referência, desnecessária, ao comentário de alguém alheio ao contexto. |
b)
recurso adotado pelo autor, no sentido de estimular o interesse do leitor. |
c)
certeza da concordância de um eventual leitor com a opinião ali exposta. |
d)
desejo de que a ficção possa se deter, realmente, em fatos que ocorrem na vida real. |
e)
hesitação, pela presença de um comentário de cunho subjetivo, sem base em dados reais. |
Mas a novela não é um retrato do Brasil, ou melhor, é sim ... (1° parágrafo)
O emprego da expressão grifada acima assinala uma:
a)
contradição involuntária. |
b)
repetição para realçar a ideia. |
c)
retificação do que havia sido dito. |
d)
conclusão decorrente da afirmativa inicial. |
e)
condição básica de um fato evidente. |
Gilda de Mello e Souza dizia que o Brasil é muito bom nas novelas ... (início do texto)
O verbo flexionado nos mesmos tempos e modos em que se encontra o grifado acima está em:
a)
... explicava ela ... |
b)
Novelas vivem de conflitos. |
c)
Talvez por isso a democracia não nos empolgue tanto, no seu dia a dia ... |
d)
- que deveriam existir nos dois ou mais lados em concorrência - |
e)
Mas eles são bons só na vida privada. |
A expressão em que preenche corretamente a lacuna da frase:
a)
A trama das novelas transforma fatos reais em sonhos, ...... muitos se distraem à noite, em suas casas. |
b)
Após algum tempo, as pessoas esquecem as propostas ...... marcaram o andamento da trama novelesca, mesmo que tenha obtido sucesso. |
c)
Devemos estar atentos ao fato ...... novelas, por serem instrumento de lazer, tendem a mostram visão fantasiosa do mundo. |
d)
Formas de comportamento ...... o autor projeta defeitos e virtudes da sociedade podem ser encontradas diariamente nas ruas. |
e)
As novelas ...... o crítico se referia haviam discutido situações desagradáveis, que passam despercebidas para a maioria das pessoas. |
A concordância verbal e nominal está inteiramente correta na frase:
a)
Personagens do bem e personagens do mal mostra a dualidade que existe em todas as ações humanas no decorrer de uma trama realmente capaz de manter o interesse dos espectadores. |
b)
O drama representado em uma novela, com personagens atraentes que se divide entre o bem e o mal, atraem, durante vários meses, a atenção de um público fiel e interessado em suas peripécias. |
c)
Uma novela que chame a atenção do público e leve os espectadores a acompanhar a trama, muitas vezes longa, deve basear-se em uma realidade transmudada em sonho e fantasia. |
d)
Para que seja atraente as situações criadas pelo autor de uma novelas, é preciso que as personagens tenham atitudes coerentes e convincentes para o público que a acompanham diariamente. |
e)
O drama que vive as personagens de novelas, ainda que seja baseado em tipos humanos reais, nem sempre convencem os espectadores, que desejam se distrair em casa, após o trabalho. |
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