Luís Giffoni
1º§ De vez em quando me batem desejos. Para ser mais preciso, martelam. Martelam minha cabeça, até que eu, de alguma forma, os realize. São desejos inusitados. Por exemplo, ouvir piado de inhambu. Há coisa mais esquisita? Se pelo menos fosse um samba do Jobim, uma fuga de Bach, mas piado de inhambu, onde se viu? O pior (ou melhor) é que sinto uma paz imensa só de imaginar a ave e seu longo suspiro no campo, de dar tristeza com seu começo tímido, hesitante, até que o canto dispara qual uma seriema. Um canto que me encanta. É uma pena eu não ter vocação para a música sertaneja. Só precisaria de um parceiro. Inhambu e Seriema seria um belo nome para uma dupla. Milhões de reais garantidos. 2º§ Outro dia, o desejo premente foi estar deitado num banco de pracinha do interior mineiro, debaixo de um ipê florido, numa de nossas cidades onde uma vida leva gerações para passar, enquanto escorre, sem pressa, por ladeiras de paralelepípedo. Desejo também esquisito. Conheço maneiras mais interessantes de gastar o tempo, moeda cada vez mais sem saldo na conta da vida. Nem pagando juros extorsivos conseguirei emprestadas umas décadas extras no banco do tempo. Zerou o saldo, acabou, foi- se, foice. A danada da pracinha, no entanto, volta e meia me martela a cabeça. 3º§ A estranha onda de desejo costuma virar um tsunami que traz rememórias antigas e novas, reais ou inventadas, sei lá, algumas à primeira vista impossíveis de concretizar. Quero, de novo, um beijo roubado aos 11 anos, mais outros sob o sol escaldante da praia de Itariri ou do Deserto do Atacama, procuro o sabor de um certo vinho de Rioja, caço o requinte de um ensaio de Montaigne, sonho o sorriso de minha primeira filha logo depois de nascer. O maremoto não tem fim. Faz um arrastão de momentos que eu gostaria de manter ao alcance da mão, ou melhor, dos dedos. Ah, os dedos... Eles se transformaram na parte mais importante do corpo humano, justamente a que realiza os desejos. Viramos 100% digitais. Com um toque no computador, o Windows e a internet se abrem, e tudo acontece. Desejo mais no futuro: uma leve pressão no Enter escancarará a janelinha da primeira paixão, cairei dentro dela, reviverei a disparada do coração e a certeza de que o mundo é pequeno demais para conter tamanho sentimento. 4º§ Desconfio desse vagalhão de desejos: estaria meu baú de lembranças superlotado, e elas começam a vazar pelo teclado? O cérebro teria atingido o limite, perdeu a capacidade de tomar decisões ou apenas cede, de graça, o comando da vida ao computador? 5º§ Meu desejo mais cruel baixou hoje. Queria acompanhar, como aquele tolo na colina cantado pelos Beatles, o sol até o poente, observar cada nuance de luz, cada tom de azul, saciar a fome de cores. Isso me parece importante agora. Acontece que chove em BH, chove muito neste abril, parece que chove sobre a Terra inteira, e o sol não está disponível. A vontade de vê-lo, porém, permanece. A última esperança, para me saciar, é escrever. A escrita afasta qualquer mau tempo. Cria não apenas sóis, mas galáxias inteiras. Se a memória é nosso alimento, a imaginação é nossa magia. Uma imaginação vale mais que mil memórias. Racionaliza desejos, apaga idiossincrasias, tira da cartola a ilusão de que o mundo nos pertence. 6º§ Daqui a pouco, depois que o meu sol se for, vou escrever sobre o assunto. Quem sabe desse desejo nascerá uma crônica?
Revista VEJA BH. Edição ano 2, n.º 18, 1.º maio 2013. p. 94.
O texto “Uma tarde de chuva” apresenta como tema central:
a)
Mudanças climáticas. |
b)
Semelhanças entre o canto dos pássaros e o de renomados artistas. |
c)
Reminiscências pueris. |
d)
Aspirações humanas. |
e)
Comparações da infância à fase madura da vida. |
Considere as seguintes afirmações.
I. Do texto, conclui-se que os desejos impulsionam a maneira como as pessoas sentem ou veem o mundo.
II. Muito desejos atuais do autor prendem-se a suas memórias antigas.
III. Ao aproximar o verbo e o substantivo em “foi-se, foice”, o autor consegue efeitos sonoros e semânticos importantes.
IV. A pergunta final do autor remete a uma dúvida cuja resposta ele jamais encontrará.
Estão corretas as afirmativas:
a)
I, III e IV. |
b)
II, III e IV. |
c)
II e III. |
d)
I, II e III. |
e)
Todas. |
Segundo o autor, a última esperança para saciá-lo é escrever. O ato da escrita produz efeitos inimagináveis como os descritos abaixo, EXCETO:
a)
transforma os maus momentos, dando-lhes aspectos novos através do prisma da imaginação. |
b)
cria macrocosmos incríveis a partir do microcosmo em que vivemos. |
c)
desenvolve a imaginação com a qual nos desvencilhamos das angústias cotidianas. |
d)
rememora fatos passados, trazendo-os para as linhas do presente. |
e)
ressalta nossas particularidades, nossa ideia de que somos donos do mundo. |
Segundo Luís Giffoni, os dedos se transformaram na parte mais importante do corpo humano, pois:
a)
vivemos a transformação da tecnologia que deixou de lado o uso do cérebro, atribuindo-lhe um papel secundário em relação às máquinas. |
b)
se antes a saudade e a distância nos angustiavam, isso não acontece mais. |
c)
a tecnologia substitui a busca incessante nos baús da memória. |
d)
hoje somos 100% digitais. Com um simples toque na tela, somos levados a uma janela que se abre, e, de certa forma, supre nossos desejos, mesmo que superficialmente. |
e)
os dedos ocuparam o lugar das mãos na busca pela saciedade de nossos desejos. |
Pode-se inferir a partir da leitura do texto, EXCETO:
a)
Muitas vezes nossos desejos estão atrelados à simplicidade. |
b)
A internet possibilita-nos a realização de todos os nossos desejos. |
c)
As emoções e os sentimentos não cabem numa tela de computador. |
d)
A música representa, em muitos momentos, um alento para o cronista. |
e)
A chuva, provavelmente, motivou a escritura dessa crônica. |
Em: “Isso me parece importante agora” (5.º§), a palavra destacada se refere ao trecho:
a)
“Desconfio desse vagalhão de desejos: estaria meu baú de lembranças superlotado...” |
b)
“Queria acompanhar, como aquele tolo na colina cantado pelos Beatles, o sol até o poente, observar cada nuance de luz, cada tom de azul, saciar a fome das cores”. |
c)
“Acontece que chove em BH, chove muito em abril, parece que chove a Terra inteira, e o sol não está disponível. |
d)
“Meu desejo mais cruel baixou hoje. Queria acompanhar, como aquele tolo na colina cantado pelos Beatles...” |
e)
“... o sol até o poente, observar cada nuance de luz, cada tom de azul...” |
Assinale a opção em que a palavra que não é pronome relativo.
a)
“O pior (ou melhor) é que sinto uma paz imensa...” |
b)
“Um canto que me encanta.” |
c)
“A estranha onda de desejo costuma virar um tsunami que traz rememórias antigas e novas.” |
d)
“Faz um arrastão de momentos que eu gostaria de manter ao alcance da mão...” |
e)
“Eles se transformaram na parte mais importante do corpo humano, justamente a que realiza os desejos.” |
Os tempos verbais destacados estão corretamente indicados entre parênteses, EXCETO:
a)
“De vez em quando me batem desejos.” (Presente do indicativo) |
b)
“Só precisaria de um parceiro.” (Futuro do pretérito do indicativo) |
c)
“... uma leve pressão no Enter escancarará a janelinha da primeira paixão...” (Futuro do presente do indicativo) |
d)
“... reviverei a disparada do coração...” (Futuro do presente do indicativo) |
e)
“Meu desejo mais cruel baixou hoje.” (Pretérito-mais-que-perfeito do indicativo) |
Assinale a alternativa em que a classificação sintática do termo ou expressão destacados está INCORRETAMENTE indicada:
a)
“De vez em quando me batem desejos.” (objeto direto) |
b)
“ A estranha onda de desejo costuma virar um tsunami(...)." (adjunto adnominal) |
c)
“ Queria acompanhar, como aquele tolo na colina cantado pelos Beatles, o sol até o poente.” (objeto direto) |
d)
“Só precisaria de um parceiro." (objeto indireto) |
e)
“Meu desejo mais cruel baixou hoje." (adjunto adverbial) |
Na oração: “Cria não apenas sóis, mas galáxias inteiras”, temos um período:
a)
Composto por uma oração coordenada assindética e por uma oração coordenada sindética adversativa. |
b)
Composto por orações coordenadas assindéticas. |
c)
Composto por orações coordenadas sindéticas alternativas. |
d)
Composto por oração coordenada assindética e oração coordenada sindética aditiva. |
e)
Composto por oração coordenada assindética e oração coordenada sindética explicativa. |
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