Conhece o vocábulo escardichar? Qual o feminino de cupim? Qual o antônimo de póstumo? Como se chama o natural do Cairo?
O leitor que responder “não sei” a todas estas perguntas não passará provavelmente em nenhuma prova de Português de nenhum concurso oficial. Aliás, se isso pode servir de algum consolo à sua ignorância, receberá um abraço de felicitações deste modesto cronista, seu semelhante e seu irmão.
Porque a verdade é que eu também não sei. Você dirá, meu caro professor de Português, que eu não deveria confessar isso; que é uma vergonha para mim, que vivo de escrever, não conhecer o meu instrumento de trabalho, que é a língua.
Concordo. Confesso que escrevo de palpite, como outras pessoas tocam piano de ouvido. De vez em quando um leitor culto se irrita comigo e me manda um recorte de crônica anotado, apontando erros de Português. Um deles chegou a me passar um telegrama, felicitando-me porque não encontrara, na minha crônica daquele dia, um só erro de Português; acrescentava que eu produzira uma “página de bom vernáculo, exemplar”. Tive vontade de responder: “Mera coincidência” – mas não o fiz para não entristecer o homem.
Espero que uma velhice tranquila – no hospital ou na cadeia, com seus longos ócios – me permita um dia estudar com toda calma a nossa língua, e me penitenciar dos abusos que tenho praticado contra a sua pulcritude. (Sabem qual o superlativo de pulcro? Isto eu sei por acaso: pulquérrimo! Mas não é desanimador saber uma coisa dessas? Que me aconteceria se eu dissesse a uma bela dama: a senhora é pulquérrima? Eu poderia mequeixar se o seu maridomedescesse a mão?).
[...]
Vários problemas e algumas mulheres já me tiraram o sono, mas não o feminino de cupim. Morrerei sem saber isso. E o pior é que não quero saber; nego-me terminantemente a saber, e, se o senhor é um desses cavalheiros que sabem qual é o feminino de cupim, tenha a bondade de não me cumprimentar.
Por que exigir essas coisas dos candidatos aos nossos cargos públicos? Por que fazer do estudo da língua portuguesa uma série de alçapões e adivinhas, como essas histórias que uma pessoa conta para “pegar” as outras? O habitante do Cairo pode ser cairense, cairei, caireta, cairota ou cairiri – e a única utilidade de saber qual a palavra certa será para decifrarumproblema de palavras cruzadas. [...]
No fundo o que esse tipo de gramático deseja é tornar a língua portuguesa odiosa; não alguma coisa através da qual as pessoas se entendam, mas um instrumento de suplício e de opressão que ele, gramático, aplica sobre nós, os ignaros.
Mas a mim é que não me escardicham assim, sem mais nem menos: não sou fêmea de cupim nem antônimo do póstumo nenhum; e sou cachoeirense, de Cachoeiro, honradamente – de Cachoeiro de Itapemirim! (BRAGA, Rubem. Nascer no Cairo e ser fêmea de cupim. Em Carlos Drummond deAndrade e outros. Crônicas. São Paulo: Ática, 2003. v.3. p. 21-22. Coleção Para Gostar de Ler)
Vocabulário:
1. Pulcro: formoso, belo, gentil.
2. Escardichar: remexer, catar, enganar.
Leia o texto acima e responda à(s) questão(ões) proposta(s).
Na crônica “Nascer no Cairo, ser fêmea de cupim”, o cronista defende a ideia de que:
a)
é essencial o conhecimento enciclopédico da língua. |
b)
a profissão de cronista exige conhecimento linguístico. |
c)
o gramático torna acessível a língua portuguesa. |
d)
há certos conhecimentos da língua que não têm serventia. |
e)
a língua portuguesa se alimenta da opressão dos gramáticos. |
Segundo o autor, o que, provavelmente, acontecerá com o leitor que não souber responder às perguntas feitas no primeiro parágrafo?
a)
Atrairá a simpatia de outros leitores que também não sabem as respostas. |
b)
Receberá felicitações dos professores de Português. |
c)
Perceberá a efemeridade de uma página do bom vernáculo. |
d)
Gastará muito tempo decifrando palavras. |
e)
Não passará em nenhuma prova de concurso. |
Há um momento do texto em que o autor dialoga com um leitor específico. Em que parágrafo isso ocorre?
a)
primeiro. |
b)
terceiro. |
c)
quarto. |
d)
quinto. |
e)
oitavo. |
Analise as afirmativas a respeito da flexão dos verbos destacados no fragmento a seguir:
“Um deles chegou a me passar um telegrama, felicitando-me porque não ENCONTRARA, na minha crônica daquele dia, um só erro de Português; ACRESCENTAVA que eu PRODUZIRA uma ‘página de bom vernáculo, exemplar’.”
I. A forma verbal ACRESCENTAVA refere-se a um ato inconcluso, que se prolonga por algum tempo no passado.
II. Todas as formas verbais destacadas fazem referência a um fato concluído no passado.
III. ENCONTRARA e PRODUZIRA referem-se a um fato ocorrido no passado, anterior a outro fato também passado.
A alternativa que indica a(s) afirmativa(s) correta(s) é:
a)
somente I e III estão corretas. |
b)
somente II e III estão corretas. |
c)
somente a III está correta. |
d)
somente I e II estão corretas. |
e)
somente a I está correta. |
De acordo com o contexto, a expressão “descesse a mão” (parágrafo 5) e o vocábulo “pegar” (parágrafo 7) possuem sentido:
a)
denotativo. |
b)
informativo. |
c)
conotativo. |
d)
metalinguístico. |
e)
pleonástico. |
Leia os trechos a seguir e assinale a alternativa em que, considerando o contexto, estão apresentados os sinônimos adequados e respectivos para as palavras destacadas.
I. “Aliás, se isso pode servir de algum CONSOLO à sua ignorância [...]”
II. “[...] receberá um abraço de felicitações deste MODESTO cronista [...]”
a)
consonância, virtuoso. |
b)
alívio, simples. |
c)
estabilização, despretensioso. |
d)
base, moderado. |
e)
ajuste, parco. |
Assinale a alternativa em que o vocábulo destacado possui valor anafórico.
a)
“[...] eu NÃO deveria confessar isso [...]” |
b)
“Um deles chegou a ME passar um telegrama [...]” |
c)
“MAS não é desanimador saber uma coisa dessas?” |
d)
“Por que exigir ESSAS coisas dos candidatos aos nossos cargos públicos?” |
e)
“Isto EU sei por acaso [...]” |
No fragmento “MAS não é desanimador saber uma coisa dessas?”, a relação de sentido estabelecida pela conjunção destacada é:
a)
finalidade. |
b)
adversidade. |
c)
temporalidade. |
d)
conformidade. |
e)
causalidade. |
As palavras estão em constante processo de evolução, o que torna a língua um fenômeno vivo que acompanha o homem. Considerando os processos de formação de palavras, pode-se afirmar que cachoeirense é formada por:
a)
regressão. |
b)
justaposição. |
c)
prefixação. |
d)
sufixação. |
e)
aglutinação. |
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