Minha ilha (e só de a imaginar já me considero seu habitante) ficará no justo ponto de latitude e longitude que, pondo-me a coberto de ventos, sereias e pestes, nem me afaste demasiado dos homens nem me obrigue a praticá-los diuturnamente. Porque esta é a ciência e, direi, a arte do bom viver: uma fuga relativa, e uma não muito estouvada confraternização.
E por que nos seduz a ilha? As composições de sombra e luz, o esmalte da relva, a cristalinidade dos regatos − tudo isso existe fora das ilhas, não é privilégio delas. A mesma solidão existe, com diferentes pressões, nos mais diversos locais, inclusive os de população densa, em terra firme e longa. Resta ainda o argumento da felicidade − “aqui eu não sou feliz”, declara o poeta, para enaltecer, pelo contraste, a sua Pasárgada, mas será que se procura realmente nas ilhas a ocasião de ser feliz, ou um modo de sê-lo? E só se alcançaria tal mercê, de índole extremamente subjetiva, no regaço de uma ilha, e não igualmente em terra comum?
Quando penso em comprar uma ilha, nenhuma dessas excelências me seduz mais do que as outras, nem todas juntas constituem a razão do meu desejo. A ideia de fuga tem sido alvo de crítica severa e indiscriminada nos últimos anos, como se fosse ignominioso, por exemplo, fugir de um perigo, de um sofrimento, de uma caceteação. Como se devesse o homem consumir-se numa fogueira perene, sem carinho para com as partes cândidas ou pueris dele mesmo. Chega-se a um ponto em que convém fugir menos da malignidade dos homens do que da sua bondade incandescente. Por bondade abstrata nos tornamos atrozes. E o pensamento de salvar o mundo é dos que acarretam as mais copiosas e inúteis carnificinas.
A ilha é, afinal de contas, o refúgio último da liberdade, que em toda parte se busca destruir. Amemos a ilha.
(Adaptado de Carlos Drummond de Andrade, Passeios na ilha)
Em suas divagações sobre as ilhas, o autor vê nelas, sobretudo, a positividade de
a)
um espaço ideal, cujas características naturais o tornam uma espécie de reduto ecológico, que faz esquecer os artifícios urbanos. |
b)
um repouso do espírito, de vez que não é possível usufruir os benefícios do insulamento em meio a lugares povoados. |
c)
um sucesso pessoal, a ser obtido pela paz de espírito e pela concentração intelectual que somente o pleno isolamento garante. |
d)
uma libertação possível, pois até mesmo os bons homens acabam por tolher a prática salvadora da verdadeira liberdade. |
e)
uma solidão indispensável, pois a felicidade surge apenas quando conseguimos nos distanciar dos nossos semelhantes. |
Atente para as seguintes afirmações:
I. A expressão fuga relativa, referida no 1.º parágrafo, diz respeito ao equilíbrio que o autor considera desejável entre a conveniente distância e a conveniente aproximação, a se preservar no relacionamento com os semelhantes.
II. No 2.º parágrafo, todas as razões aventadas para explicar a irresistível sedução de uma ilha são consideradas essenciais, não havendo como entender essa atração sem se recorrer a elas.
III. No 3.º parágrafo, o autor se vale de amarga ironia quando afirma que o exercício da liberdade pessoal, benigno em si mesmo, é a causa da falta de liberdade dos povos que mais lutam por ela.
Em relação ao texto está correto SOMENTE o que se afirma em
a)
I. |
b)
II. |
c)
III. |
d)
I e II. |
e)
II e III. |
Quando afirma, no início do 3.º parágrafo, que nenhuma dessas excelências me seduz mais do que as outras, o autor deprecia, precisamente, estes clássicos atributos das ilhas:
a)
a hostilidade agreste, a solidão plena e a definitiva renúncia à solidariedade. |
b)
a poesia do mundo natural, o exclusivo espaço da solidão e a realização do ideal de felicidade. |
c)
a monotonia da natureza, o conforto da relativa solidão e a surpresa da felicidade. |
d)
a sedução mágica da paisagem, a valorização do espírito e a relativização da felicidade. |
e)
a fuga da vida urbana, a exaltação da bondade e o encontro da liberdade verdadeira. |
Considerando-se o contexto, traduz-se adequadamente o sentido de um segmento em:
a)
pondo-me a coberto de (1.º parágrafo) = recobrindo-me com |
b)
estouvada confraternização (1.º parágrafo) = insensível comunhão |
c)
se alcançaria tal mercê (2.º parágrafo) = se granjearia essa graça |
d)
crítica severa e indiscriminada (3.º parágrafo) = análise séria e circunstanciada |
e)
acarretam as mais copiosas e inúteis carnificinas (3.º parágrafo) = induzem as exemplares mortalidades |
Quando penso em comprar uma ilha, nenhuma dessas excelências me seduz mais do que as outras, nem todas juntas constituem a razão do meu desejo.
Estará adequada a nova correlação entre os tempos e os modos verbais caso se substituam os elementos sublinhados da frase acima, na ordem dada, por:
a)
Se eu vier a pensar - seduziria - constituíam |
b)
Quando eu ficava pensando - seduzira - constituiriam |
c)
Se eu vier a pensar - terá seduzido - viriam a constituir |
d)
Quando eu pensava - houvesse de seduzir - tinham constituído |
e)
Se eu viesse a pensar - seduziria - constituiriam |
As normas de concordância verbal estão plenamente observadas na frase:
a)
Evitem-se, sempre que possível, qualquer excesso no convívio humano: nem proximidade por demais estreita, nem distância exagerada. |
b)
Os vários atrativos de que dispõem a vida nas ilhas não são, segundo o cronista, exclusividade delas. |
c)
Cabem aos poetas imaginar espaços mágicos nos quais realizemos nossos desejos, como a Pasárgada de Manuel Bandeira. |
d)
Muita gente haveriam de levar para uma ilha os mesmos vícios a que se houvesse rendido nos atropelos da vida urbana. |
e)
A poucas pessoas conviria trocar a rotina dos shoppings pela serenidade absoluta de uma pequena ilha. |
Está clara e correta a redação deste livre comentário sobre o autor dessa crônica:
a)
O poeta Drummond escreveu num poema o verso "Ilhas perdem o homem", o que significa estar contraditório com o que especula diante das ilhas neste seu outro texto. |
b)
"Ilhas perdem o homem" - asseverou Drummond num poema seu, manifestando sentimento bem diverso do que expõe nessa crônica de Passeios na ilha. |
c)
Ao contrário do que defende na crônica, há um poema de Drummond cujo o verso "Ilhas perdem o homem" redunda num paradoxo diante da mesma. |
d)
Paradoxal, o poeta Drummond é autor de um verso ("Ilhas perdem o homem") de flagrante contraste ao que persigna numa crônica de Passeios na ilha. |
e)
Se nessa crônica Drummond enaltece o ilhamento, num poema o verso "Ilhas perdem o homem" se compraz ao agrupamento, não à solidão humana. |
Atentando-se para a voz verbal, é correto afirmar que em
a)
Por bondade abstrata nos tornamos atrozes ocorre um caso de voz passiva. |
b)
A ideia de fuga tem sido alvo de crítica severa o elemento sublinhado é agente da passiva. |
c)
Amemos a ilha a transposição para a voz passiva resultará na forma verbal seja amada. |
d)
E por que nos seduz a ilha? não há possibilidade de transposição para a voz passiva. |
e)
tudo isso existe fora das ilhas a transposição para a voz passiva resultará na forma verbal tem existido. |
A pontuação está plenamente adequada na frase:
a)
O cronista, diante da possibilidade de habitar uma ilha, enumera uma série de argumentos que, a princípio, desqualificariam as supostas vantagens de um insulamento, mas, ao fim e ao cabo, convence-se de que está na ilha a última chance de desfrutarmos nossa liberdade. |
b)
O cronista diante da possibilidade, de habitar uma ilha, enumera uma série de argumentos, que a princípio desqualificariam as supostas vantagens de um insulamento, mas ao fim e ao cabo, convence-se de que está na ilha a última chance de desfrutarmos nossa liberdade. |
c)
O cronista diante da possibilidade de habitar uma ilha enumera uma série de argumentos, que a princípio, desqualificariam as supostas vantagens de um insulamento; mas ao fim e ao cabo convence-se, de que está na ilha a última chance de desfrutarmos nossa liberdade. |
d)
O cronista, diante da possibilidade de habitar uma ilha enumera uma série de argumentos, que a princípio, desqualificariam as supostas vantagens de um insulamento mas, ao fim e ao cabo convence-se de que está na ilha, a última chance de desfrutarmos nossa liberdade. |
e)
O cronista, diante da possibilidade de habitar uma ilha enumera uma série de argumentos que a princípio, desqualificariam as supostas vantagens de um insulamento; mas ao fim e ao cabo, convence-se de que, está na ilha, a última chance de desfrutarmos nossa liberdade. |
Amemos as ilhas, mas não emprestemos às ilhas o condão mágico da felicidade, pois quando fantasiamos as ilhas esquecemo-nos de que, ao habitar ilhas, leva-se para elas tudo o que já nos habita.
Evitam-se as viciosas repetições da frase acima substituindo-se os elementos sublinhados, na ordem dada, por:
a)
lhes emprestemos - lhes fantasiamos - habitá-las |
b)
emprestemos-lhes - as fantasiamos - habitar-lhes |
c)
as emprestemos - fantasiamo-las - as habitar |
d)
lhes emprestemos - as fantasiamos - habitá-las |
e)
as emprestemos - lhes fantasiamos - habitar-lhes |
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