1 Dizem que Karl Marx descobriu o inconsciente três
décadas antes de Freud. Se a afirmação não é rigorosamente
exata, não deixa de fazer sentido, uma vez que Marx, em
4 O Capital, no capítulo sobre o fetiche da mercadoria,
estabelece dois parâmetros conceituais imprescindíveis para
explicar a transformação que o capitalismo produziu na
7 subjetividade. São eles os conceitos de fetichismo e de
alienação, ambos tributários da descoberta da mais-valia — ou
do inconsciente, como queiram.
10 A rigor, não há grande diferença entre o emprego
dessas duas palavras na psicanálise e no materialismo histórico.
Em Freud, o fetiche organiza a gestão perversa do desejo
13 sexual e, de forma menos evidente, de todo desejo humano; já
a alienação não passa de efeito da divisão do sujeito, ou seja,
da existência do inconsciente. Em Marx, o fetiche da
16 mercadoria, fruto da expropriação alienada do trabalho, tem
um papel decisivo na produção “inconsciente” da mais-valia.
O sujeito das duas teorias é um só: aquele que sofre e se indaga
19 sobre a origem inconsciente de seus sintomas é o mesmo que
desconhece, por efeito dessa mesma inconsciência, que o poder
encantatório das mercadorias é condição não de sua riqueza,
22 mas de sua miséria material e espiritual. Se a sociedade em que
vivemos se diz “de mercado”, é porque a mercadoria é o
grande organizador do laço social.
Maria Rita Kehl. 18 crônicas e mais algumas. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 142 (com adaptações).
Com relação às ideias desenvolvidas no texto acima e a seus aspectos gramaticais, julgue o(s) item(ns) subsequente(s).
Com correção gramatical, o período “A rigor (...) histórico” (L.10-11) poderia, sem se contrariar a ideia original do texto, ser assim reescrito: Caso se proceda com rigor, a análise desses conceitos, verifica-se que não existe diferenças entre eles.
Certa. |
Errada. |
A informação que inicia o texto é suficiente para se inferir que Freud conheceu a obra de Marx, mas o contrário não é verdadeiro, visto que esses pensadores não foram contemporâneos.
Certa. |
Errada. |
A expressão “dessas duas palavras” (L.11), como comprovam as ideias desenvolvidas no parágrafo em que ela ocorre, remete não aos dois vocábulos que imediatamente a precedem — “mais-valia” (L.8) e “inconsciente” (L.9) —, mas, sim, a “fetichismo” (L.7) e “alienação” (L.8).
Certa. |
Errada. |
Depreende-se da argumentação apresentada que a autora do texto, ao aproximar conceitos presentes nos estudos de Marx e de Freud, busca demonstrar que, nas sociedades “de mercado”, a “divisão do sujeito” (L.14) se processa de forma análoga na subjetividade dos indivíduos e na relação de trabalho.
Certa. |
Errada. |
1 Imagine que um poder absoluto ou um texto sagrado
declarem que quem roubar ou assaltar será enforcado (ou terá
a mão cortada). Nesse caso, puxar a corda, afiar a faca ou
4 assistir à execução seria simples, pois a responsabilidade moral
do veredicto não estaria conosco. Nas sociedades tradicionais,
em que a punição é decidida por uma autoridade superior a
7 todos, as execuções podem ser públicas: a coletividade festeja
o soberano que se encarregou da justiça — que alívio!
A coisa é mais complicada na modernidade, em que
10 os cidadãos comuns (como você e eu) são a fonte de toda
autoridade jurídica e moral. Hoje, no mundo ocidental,
se alguém é executado, o braço que mata é, em última
13 instância, o dos cidadãos — o nosso. Mesmo que o condenado
seja indiscutivelmente culpado, pairam mil dúvidas. Matar um
condenado à morte não é mais uma festa, pois é difícil celebrar
16 o triunfo de uma moral tecida de perplexidade. As execuções
acontecem em lugares fechados, diante de poucas testemunhas:
há uma espécie de vergonha. Essa discrição é apresentada
19 como um progresso: os povos civilizados não executam seus
condenados nas praças. Mas o dito progresso é, de fato, um
corolário da incerteza ética de nossa cultura.
22 Reprimimos em nós desejos e fantasias que nos
parecem ameaçar o convívio social. Logo, frustrados, zelamos
pela prisão daqueles que não se impõem as mesmas renúncias.
25 Mas a coisa muda quando a pena é radical, pois há o risco de
que a morte do culpado sirva para nos dar a ilusão de liquidar,
com ela, o que há de pior em nós. Nesse caso, a execução do
28 condenado é usada para limpar nossa alma. Em geral, a justiça
sumária é isto: uma pressa em suprimir desejos inconfessáveis
de quem faz justiça. Como psicanalista, apenas gostaria que a
31 morte dos culpados não servisse para exorcizar nossas piores
fantasias — isso, sobretudo, porque o exorcismo seria ilusório.
Contudo é possível que haja crimes hediondos nos quais não
34 reconhecemos nada de nossos desejos reprimidos.
Contardo Calligaris. Terra de ninguém – 101 crônicas. São Paulo: Publifolha, 2004, p. 94-6 (com adaptações).
Com referência às ideias e aos aspectos linguísticos do texto acima, julgue o(s) item(ns) seguinte(s).
Suprimindo-se o emprego de termos característicos da linguagem informal, como o da palavra “coisa” (L. 9) e o do trecho “(como você e eu)” (L.10), o primeiro período do segundo parágrafo poderia ser reescrito, com correção gramatical, da seguinte forma: Essa prática social apresenta-se mais complexa na modernidade, onde a autoridade jurídica e moral submete-se à opinião pública.
Certa. |
Errada. |
No período “Nesse caso (...) estaria conosco” (L.3-5), como o conector “ou” está empregado com sentido aditivo, e não, de exclusão, a forma verbal do predicado “seria simples” poderia, conforme faculta a prescrição gramatical, ter sido flexionada na terceira pessoa do plural: seriam.
Certa. |
Errada. |
De acordo com o texto, nas sociedades tradicionais, os cidadãos sentem-se aliviados sempre que um soberano decide infligir a pena de morte a um infrator porque se livram das ameaças de quem desrespeita a moral que rege o convívio social, como evidencia o emprego da interjeição “que alívio!” (L.8).
Certa. |
Errada. |
Mantendo-se a correção gramatical e a coerência do texto, a oração “se alguém é executado” (L.12), que expressa uma hipótese, poderia ser escrita como caso se execute alguém, mas não, como se caso alguém se execute.
Certa. |
Errada. |
O termo “Essa discrição” (L.18) refere-se apenas ao que está expresso na primeira oração do período que o antecede.
Certa. |
Errada. |
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