A VIOLÊNCIA, em diversas formas, foi variável fundamental na constituição da sociedade brasileira. A ocupação europeia do hoje território brasileiro foi feita mediante a destruição de centenas de culturas indígenas e da morte de milhões de ameríndios. 5 Por outro lado, a instituição da escravidão, implicando uma dominação violenta, física e simbólica, atingiu os índios e depois, principalmente, a mão-de-obra africana que, durante quase quatro séculos, foi objeto do tráfico. Portanto, a sociedade brasileira tradicional, a partir de um 10 complexo equilíbrio de hierarquia e individualismos, desenvolveu o uso da violência, mais ou menos legítimo, por parte de atores sociais bem definidos. No entanto, o panorama atual apresenta algumas características que alteram e agravam o quadro tradicional. 15 A urbanização acelerada, com o crescimento desenfreado das cidades, as fortes aspirações de consumo, em boa parte frustradas, dificuldades no mercado de trabalho e conflitos de valores são algumas variáveis que concorrem para tanto. Ninguém mais se sente seguro: nem empresas nem indivíduos. 20 Elites e classes médias têm suas casas assaltadas. O que dizer das camadas populares, secularmente vitimizadas? Nas favelas, nos conjuntos habitacionais, nas periferias, os criminosos fazem praticamente o que querem, seviciando, estuprando e matando. As pessoas são humilhadas e desrespeitadas de todos os 25 modos. O poder público tem se mostrado, no mínimo, incapaz de enfrentar essa catástrofe. Sem dúvida, a pobreza, a miséria e a iniquidade social constituem, historicamente, campo altamente propício para a disseminação da violência. No entanto, creio que não tem sido 30 dada a devida atenção para a dimensão moral, ética e do sistema de valores como um todo, para a compreensão desse fenômeno. A perda de credibilidade e de referências simbólicas significativas destrói expectativas de convivência social elementares. A família, a escola e a religião não têm sido 35 capazes, por sua vez, de resistir à deterioração de valores. Na sociedade tradicional, com sua violência constitutiva, existiam mecanismos de controle social que marcaram uma moralidade básica compartilhada. Sem dúvida, continuam existindo áreas e grupos sociais que preservam e se preocupam com essas 40 questões. Certamente a maioria das pessoas não é violenta ou corrupta. No entanto, o clima geral de impunidade incentiva a utilização de recursos e estratégias criminosas. Desenvolvem-se, inevitavelmente, soluções do tipo “justiça pelas próprias mãos”, que aumentam ainda mais a violência e a 45 insegurança. Policiais, bandidos, justiceiros e seguranças travam batalhas diárias matando e pondo em risco a segurança de toda a população. O fenômeno das “balas perdidas”, expressão desses conflitos, é difícil de ser explicado para pessoas que não vivem nas cidades brasileiras. O fato de qualquer pessoa em 50 qualquer de seus bairros estar exposta a esse tipo de perigo ilustra, de modo dramático, a intensidade da crise. Como construir e sustentar um projeto nacional nessas circunstâncias? A sociedade civil, por si só, é insuficientemente organizada para enfrentar esses desafios e criar alternativas 55 legítimas para o enfrentamento da violência. Só o Estado, reformado e renovado, incluindo o Legislativo e o Judiciário, poderá dispor de meios e recursos, articulado à opinião pública, para reverter essa ameaça de colapso. Estou falando, bem entendido, de regime democrático e não de ditaduras salvacionistas. 60 Hoje um projeto capaz de mobilizar a nação passa, inevitavelmente, pelo estabelecimento de uma política efetiva de segurança pública dentro da ordem democrática. Só assim poderemos implementar e consolidar nossa precária cidadania, condição básica para o futuro da nação brasileira.
(VELHO, Gilberto. Violência: faces e máscaras. In: www.scielo.br – com adaptações)
Com relação à compreensão geral do texto, analise as afirmativas a seguir:
I. Diferentemente do passado, atualmente deve-se incluir, no conjunto das reflexões acerca das causas da violência, a crise no âmbito dos valores institucionais.
II. As forças que sustentam a estrutura social estiveram harmonicamente equilibradas na sociedade brasileira tradicional, mas contemporaneamente esse equilíbrio se rompeu.
III. A explicação para as especificidades da violência no Brasil apresenta duas vertentes: a histórica e a moral, sendo esta última um fator agravante posto em segundo plano na análise do fenômeno.
a)
se somente a afirmativa I estiver correta. |
b)
se somente a afirmativa II estiver correta. |
c)
se somente as afirmativas I e II estiverem corretas. |
d)
se somente as afirmativas I e III estiverem corretas. |
e)
se todas as afirmativas estiverem corretas. |
Uma das teses defendidas pelo autor é a de que:
a)
a sociedade civil, embora seja desorganizada, pode barrar o avanço da violência se amparada pelos demais poderes do Estado. |
b)
ainda que a miséria e a pobreza possam contribuir para a propagação da violência, é a crise moral a grande responsável pelo seu agravamento. |
c)
um projeto nacional de combate à violência inclui a disponibilidade de verbas e a ampla liberdade de aplicação dos poderes repressivos reservados ao Estado. |
d)
no passado, mesmo que violenta, a sociedade era rigorosamente controlada; hoje, família, escola e religião são instituições imorais e/ou corruptas. |
e)
a corrupção como característica natural do brasileiro tem origem nas culturas ameríndia e africana que estão na base de nossa formação. |
A regência do verbo dispor (L.57) é a mesma de:
a)
O artigo defende a necessidade de uma nova ética social. |
b)
Convém atualizar velhas formas de comportamento. |
c)
O autor expressa suas ideias de forma clara e objetiva. |
d)
O palestrante fugiu ao foco dos debates. |
e)
Busca-se uma saída para a crise institucional. |
A alternativa que analisa corretamente a função sintática do fragmento transcrito é:
a)
a sociedade brasileira tradicional (L.9) – aposto. |
b)
organizada (L.54) – objeto direto. |
c)
mecanismos de controle social (L.37) – sujeito. |
d)
inevitavelmente (L.61) – adjunto adnominal. |
e)
de credibilidade (L.32) – objeto indireto. |
Assinale a alternativa em que o termo sublinhado tenha função adjetiva:
a)
Característica da nação. |
b)
Ameaça de colapso. |
c)
Deterioração de valores. |
d)
Instituição da escravidão. |
e)
Uso de violência. |
De acordo com as regras de concordância verbal do padrão escrito culto, assinale a alternativa incorreta:
a)
A maioria dos brasileiros já viveram situações violentas no cotidiano. |
b)
Sem dúvida, devem haver formas de combater pacificamente a violência. |
c)
No artigo em análise, trata-se de questões referentes à origem histórica da violência. |
d)
Faz séculos que se verificam situações de opressão na sociedade brasileira. |
e)
Sempre existirão pessoas dispostas a resistir ao comodismo. |
Quanto ao emprego dos sinais de pontuação, assinale a frase incorreta:
a)
Embora seja difícil aceitar uma derrota, o conceito de democracia implica reconhecer que o desejo da maioria deve ser respeitado. |
b)
É preciso não esquecer um fato: a justiça social deve ser perseguida, apesar de existir desigualdade de forças políticas e econômicas entre os atores sociais. |
c)
Propomo-nos, apesar da paixão envolvida no assunto, a trazer ao foco do debate o tema da ética, que é e será sempre o centro de nossas preocupações. |
d)
O jeitinho e a cordialidade, traços definidores do caráter brasileiro, segundo alguns, precisam ser redefinidos à luz do processo histórico que constituiu a brasilidade. |
e)
Mais complexas ainda, são as reflexões acerca das relações sociais baseadas na trocas de favores: sejam eles legalmente concebidos ou desviantes da norma geral. |
O acento indicativo de crase foi corretamente empregado apenas em:
a)
o cidadão não atende à apelos sem fundamento. |
b)
no artigo, o autor citou à necessária reforma do Estado. |
c)
convencemos à todos da necessidade de um pacto social. |
d)
o debatedor não se rendeu àqueles discursos demagógicos. |
e)
os governantes dispuseram-se à colaborar. |
Observa-se o correto emprego do pronome relativo em:
a)
o julgamento a que se assistiu foi transmitido via satélite. |
b)
eis um programa de TV cujo o assunto me interessa. |
c)
o escritor que me refiro nasceu e viveu no interior. |
d)
foi preso o procurado o qual a imprensa deu destaque. |
e)
esse é um medicamento onde sem ele o paciente não sobrevive. |
A alternativa que contraria a colocação pronominal exigida pelo padrão escrito culto é:
a)
os órgãos aos quais se destinam as verbas desenvolvem projetos de segurança pública. |
b)
dever-se-ia refletir sobre a construção histórica da violência. |
c)
não põe-se em prática uma adequada política de prevenção ao crime. |
d)
o jovem prefeito foi-se afirmando no cenário político. |
e)
o secretário vai enviar-lhe os resultados da pesquisa no início da semana. |
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