Texto I
Os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo.
Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as eternas frases feitas.
"A vida é um fardo" − isto, por exemplo, pode-se repetir sempre. E acrescentar impunemente: "disse Bias". Bias não faz mal a ninguém, como aliás os outros seis sábios da Grécia, pois todos os sete, como há vinte séculos já se queixava Plutarco, eram uns verdadeiros chatos. Isto para ele, Plutarco. Mas, para o grego comum da época, devia ser a delícia e a tábua de salvação das conversas.
Pois não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço? O lugar-comum é a base da sociedade, a sua política, a sua filosofia, a segurança das instituições. Ninguém é levado a sério com ideias originais.
Já não é a primeira vez, por exemplo, que um figurão qualquer declara em entrevista:
"O Brasil não fugirá ao seu destino histórico!"
O êxito da tirada, a julgar pelo destaque que lhe dá a imprensa, é sempre infalível, embora o leitor semidesperto possa desconfiar que isso não quer dizer coisa alguma, pois nada foge ao seu destino histórico, seja um Império que desaba ou uma barata esmagada.
(Mario Quintana. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005. v. único. p. 275-276)
Texto II
Clichês são expressões tão utilizadas e repetidas que se desgastaram e se afastaram de seu significado original. Essa espécie de "preguiça linguística" que poupa esforços, inibe a reflexão e multiplica a passividade entre interlocutor e receptor, permeia todos os níveis da linguagem, da conversa de elevador aos discursos políticos, passando, obviamente, pela mídia. Ao usar clichês como muletas do discurso, o texto certamente flui com facilidade − a linguagem, porém, empobrece.
O clichê nasce como uma ideia criativa, mas é repetida à exaustão e se transforma em um cacoete. Ele está inserido num contexto que a gíria nunca alcança e o provérbio sempre ultrapassa − a gíria pressupõe vitalidade e o provérbio, ao contrário, já nasce cristalizado. Entre os chavões mais comuns estão as locuções e combinações invariáveis de palavras (sempre as mesmas, na mesma ordem), como "frio e calculista", "mentira deslavada" e "chuva torrencial". Esse tipo de clichê está presente na linguagem falada e escrita, seja formal ou informal.
O desconforto em relação ao uso de clichês está na denotação de falta de originalidade, exigindo um mínimo de produção e de interpretação. Por outro lado, os clichês presentes em um texto, um filme ou uma conversa apenas são entendidos como tal se os interlocutores tiverem referências em comum. A tensão entre a necessidade de ser entendido e a vontade de fazê-lo com expedientes criativos e originais pode levar, num extremo, à adoção de uma linguagem privada e ininteligível.
Segundo o psicanalista e sociólogo alemão Alfred Lorenzer, o indivíduo se afasta da interação social por conta do uso de palavras-chave, que ele emprega sem pensar no que significam e que recebe e repassa como moeda de mercado. A escassez de significado que marca o clichê representa o empobrecimento da linguagem e, por consequência, a incapacidade de interpretar e criticar o mundo sensível dos fatos.
Em outra visão, o sociólogo Anton C. Zijderveld defende que "A vida social cotidiana é uma realidade impregnada por convenções e este fato prosaico constitui a própria base da ordem social. (...) Sem clichês, a sociedade degeneraria num estranho caos".
(Adaptado de Tatiana Napoli. Língua portuguesa. São Paulo: escala educacional, n.º 17. p. 48-51)
Para responder à questão seguinte, considere os textos I e II apresentados acima.
Ambos os textos
a)
se aproximam quando se referem a um eventual leitor, que pode estar sonolento ao ler uma obra, e a um autor que, por ser original, se torna incompreensível. |
b)
estabelecem uma situação paralela de compreensão mútua entre autor e leitor, no texto I, e entre interlocutor e receptor, no texto II. |
c)
são concordes quanto ao fato de que o lugar-comum dispensa maior elaboração, quer da parte de quem o repete, quer da parte de quem o lê ou ouve. |
d)
realçam a importância da opinião de certas pessoas, tal como a do "figurão" no texto I, ou a dos especialistas que foram citados, no texto II. |
e)
apontam o sucesso incontestável das frases pronunciadas por pessoas de prestígio, seja nos tempos antigos, seja na atualidade. |
Fica claro, no texto II, que os clichês
a)
podem ser a fórmula ideal para garantir o sucesso literário de um escritor, pois é necessário que ele seja facilmente entendido pelos leitores. |
b)
resultam em desconforto para quem fala e também para quem ouve, porque algumas vezes impossibilitam uma perfeita comunicação entre ambos. |
c)
são convenções que, por serem originais desde o início, se estabelecem na linguagem, embora nem sempre se estabeleça a comunicação entre os interlocutores. |
d)
se estruturam na linguagem cotidiana pela facilidade de entendimento, mas geram desconforto nos escritores, necessariamente originais e criativos. |
e)
se criam e se mantêm dentro de um universo de referências comuns aos interlocutores, no momento do ato comunicativo. |
De acordo com o texto II, clichê, gíria e provérbio
a)
podem, eventualmente, confundir-se, como fórmulas prontas de fácil compreensão de leitura. |
b)
se diferenciam por sua própria história, em sua origem e na formação de seu sentido particular. |
c)
constituem marcas de originalidade em um discurso até mesmo por vezes pouco compreensível. |
d)
cristalizam pensamentos que se fixaram e se desgastaram pelo uso convencional ao longo do tempo. |
e)
resultam de transformações no idioma em consequência do emprego reiterado em textos formais ou informais. |
Identifica-se noção de causa (1) e consequência (2), respectivamente, entre os segmentos do texto II:
a)
1. são expressões tão utilizadas e repetidas 2. que se desgastaram e se afastaram de seu significado original. |
b)
1. inibe a reflexão 2. e multiplica a passividade entre interlocutor e receptor. |
c)
1. O clichê nasce como uma ideia criativa 2. mas é repetida à exaustão e se transforma em um cacoete. |
d)
1. Ele está inserido num contexto 2. que a gíria nunca alcança e o provérbio sempre ultrapassa. |
e)
1. O desconforto em relação ao uso de clichês está na denotação de falta de originalidade 2. exigindo um mínimo de produção e de interpretação. |
O 4.º parágrafo do texto II justifica a afirmativa de que
a)
as frases feitas nem sempre traduzem fielmente as imagens criadas por um escritor. |
b)
o lugar-comum pode, em determinados contextos, assegurar a interação social. |
c)
os chavões, devido à combinação invariável de palavras, logram êxito na linguagem. |
d)
o clichê é uma expressão desgastada, que denota dificuldade de pensamento crítico. |
e)
a incapacidade de interpretar os fatos cotidianos degenera em desordem social. |
O sentido do último parágrafo do texto II aproxima-se, no texto I, da afirmativa:
a)
Os leitores são, por natureza, dorminhocos. |
b)
Apenas as eternas frases feitas. |
c)
Bias não faz mal a ninguém, como aliás os outros seis sábios da Grécia ... |
d)
Mas, para o grego comum da época, devia ser a delícia e a tábua de salvação das conversas. |
e)
O lugar-comum é a base da sociedade, a sua política, a sua filosofia, a segurança das instituições. |
O pensamento dos especialistas citados nos dois últimos parágrafos do texto II está sintetizado, respectivamente, nas expressões:
a)
falta de originalidade - pobreza de recursos que permitam intensa vida social |
b)
incapacidade crítica - fixação de sentidos que favorece o convívio social |
c)
capacidade de síntese - ausência de originalidade nas relações cotidianas |
d)
ausência de valores - manutenção de um contexto comum de referências |
e)
exemplo de banalidade - maneira de garantir a compreensão da realidade |
- a linguagem, porém, empobrece. (1.º parágrafo - texto II)
O segmento isolado pelo travessão indica, no contexto,
a)
repetição insistente da afirmativa inicial do texto. |
b)
explicação redundante da expressão muletas do discurso. |
c)
comentário desnecessário, cujo sentido está implícito no parágrafo. |
d)
afirmativa que restringe o que foi dito anteriormente no período. |
e)
ressalva a todo o desenvolvimento do parágrafo. |
Pois não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço? (4.º parágrafo - texto I)
A questão acima encontra, no texto II, observação de sentido idêntico no segmento:
a)
Essa espécie de "preguiça linguística" que poupa esforços, inibe a reflexão e multiplica a passividade entre interlocutor e receptor, permeia todos os níveis da linguagem ... |
b)
O clichê nasce como uma ideia criativa, mas é repetida à exaustão e se transforma em um cacoete. |
c)
Entre os chavões mais comuns estão as locuções e combinações invariáveis de palavras (sempre as mesmas, na mesma ordem), como "frio e calculista", "mentira deslavada" e "chuva torrencial". |
d)
O desconforto em relação ao uso de clichês está na denotação de falta de originalidade... |
e)
Por outro lado, os clichês presentes em um texto, um filme ou uma conversa apenas são entendidos como tal se os interlocutores tiverem referências em comum. |
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