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Comentários / Tribunal de Justiça - Rio de Janeiro - Analista Judiciário - Comissário de Justiça da Infância, da Juventude e do Idoso - FCC - Fundação Carlos Chagas - 2012 - Prova Objetiva


Crônicas

     E, subitamente, é a era do Automóvel. O monstro transformador irrompeu, bufando, por entre os descombros da cidade velha, e como nas mágicas e na natureza, aspérrima educadora, tudo transformou com aparências novas e novas aspirações. Quando os meus olhos se abriram para as agruras e também para os prazeres da vida, a cidade, toda estreita e toda de mau piso, eriçava o pedregulho contra o animal de lenda, que acabava de ser inventado em França. Só pelas ruas esguias dois pequenos e lamentáveis corredores tinham tido a ousadia de aparecer. Um, o primeiro, de Patrocínio, quando chegou, foi motivo de escandalosa atenção. Gente de guarda-chuva debaixo do braço parava estarrecida como se tivesse visto um bicho de Marte ou um aparelho de morte imediata. Oito dias depois, o jornalista e alguns amigos, acreditando voar com três quilômetros por hora, rebentavam a máquina de encontro às árvores da rua da Passagem. O outro, tão lento e parado que mais parecia uma tartaruga bulhenta, deitava tanta fumaça que, ao vê-lo passar, várias damas sufocavam. A imprensa, arauto do progresso, e a elegância, modelo do esnobismo, eram os precursores da era automobílica. Mas ninguém adivinhava essa era. Quem poderia pensar na futura influência do Automóvel diante da máquina quebrada de Patrocínio? Quem imaginaria velocidades enormes na corriola dificultosa que o conde Guerra Duval cedia aos clubes infantis como um brinco idêntico aos baloiços e aos pôneis mansos? Ninguém! Absolutamente ninguém. [...]

     Para que a era se firmasse fora preciso a transfiguração da cidade. [...] Ruas arrasaram-se, avenidas surgiram, os impostos aduaneiros caíram, e triunfal e desabrido o automóvel entrou, arrastando desvairadamente uma catadupa de automóveis. Agora, nós vivemos positivamente nos momentos do automóvel, em que o chofer é rei, é soberano, é tirano.

(João do Rio. A era do automóvel. Crônicas. São Paulo: Companhia das Letras. 2005. p. 17-18)

Questão:

É correto perceber na crônica de João do Rio

Resposta errada
a)

ceticismo quanto ao poder de uma nova invenção e à sua eventual influência no futuro da cidade, despreparada para tais novidades.

Resposta errada
b)

crença na possível destruição de valores sociais decorrente da busca irrefreável pelo progresso e do orgulho pessoal trazido pela posse do automóvel.

Resposta errada
c)

entusiasmo pelas medidas que deveriam ser tomadas no sentido de preparar uma cidade antiga para a modernidade representada pelo automóvel.

Resposta errada
d)

censura à inadequação do comportamento de alguns proprietários de automóveis que ostentavam seu poder em uma época de austeridade.

Resposta correta
e)

viés irônico em algumas observações a respeito do incipiente poder e da inimaginável influência do automóvel nos rumos da cidade.

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