Antigamente os professores de ginásio* ensinavam a escrever mandando fazer redações que puxavam insensivelmente para a grandiloquência, o preciosismo ou a banalidade: descrever uma floresta, uma tempestade, o estouro da boiada; comentar os males causados pelo fumo, o jogo, a bebida; dizer o que pensa da pátria, da guerra, da bandeira. Bem ou mal, íamos aprendendo, sobretudo porque naquele tempo os professores tinham tempo para corrigir os exercícios escritos (o meu chegava a devolver os nossos com igual número de páginas de observações e comentários a tinta vermelha; que Deus o tenha no céu dos bons gramáticos). Mas o efeito podia ser duvidoso. Lembre-se por analogia o começo do romance S. Bernardo, de Graciliano Ramos. O rústico fazendeiro Paulo Honório quer contar a própria vida, mas sendo homem sem instrução, imagina um método prático: contaria os fatos ao jornalista local e este redigiria. No entanto... Leiamos:
O resultado foi um desastre. Quinze dias depois do nosso primeiro encontro, o redator do jornal apresentou-me dois capítulos datilografados, tão cheios de besteiras que me zanguei: − Vá para o inferno, Gondim. Você acanalhou o troço. Está pernóstico, está safado, está idiota! Há lá ninguém que fale dessa forma!
O jornalista observa então que “um artista não pode escrever como fala”, e ante o espanto de Paulo Honório, explica:
− Foi assim que sempre se fez. A literatura é literatura, seu Paulo. A gente discute, briga, trata de negócios naturalmente, mas arranjar palavras com tinta é outra coisa. Se eu fosse escrever como falo, ninguém me lia.
Então Paulo Honório põe mãos à obra do seu jeito, “escreve como fala” e resulta o romance S. Bernardo, um clássico de Graciliano Ramos.
(Adaptado de Antonio Candido, O albatroz e o chinês)
* Ginásio: antiga denominação de período escolar, que hoje corresponde às quatro últimas séries do ensino fundamental.
Está correto o emprego do elemento sublinhado na frase:
a)
Não deu certo o tal do método prático em cuja eficiência Paulo Honório chegou a acreditar. |
b)
Para o jornalista, a criação da língua literária requer uma técnica sofisticada em que nenhum escritor pode abdicar. |
c)
Quando Paulo Honório leu os dois capítulos datilografados, sentiu neles um artificialismo verbal de que jamais toleraria. |
d)
Se literatura fosse um arranjo de palavras difíceis, os dicionaristas fariam poemas de cujo brilho ninguém superaria. |
e)
A linguagem com que Paulo Honório de fato aspirava era simples, direta, e não uma coleção de figuras retóricas. |
Copyright © Tecnolegis - 2010 - 2024 - Todos os direitos reservados.