A grande pensadora norte-americana Susan Sontag (1933-2004) refletiu e escreveu sobre inúmeros temas culturais da modernidade, sem jamais esquecer-se dos aspectos políticos neles implicados. Sabedora do peso das palavras, indignava-se quando os poderosos se valiam delas com o fito de encobrir artificialmente uma violência real. Por vezes, a elipse mesma da palavra correta pode significar a camuflagem de um fato que não se deseja nomear. Veja-se este trecho da autora, extraído de seu livro póstumo Ao mesmo tempo: Palavras alteram, palavras acrescentam, palavras subtraem. Foi a insistência em evitar a palavra “genocídio”, enquanto cerca de 800 mil tutsis estavam sendo massacrados em Ruanda pelos seus vizinhos hutus, alguns anos atrás, que indicou que o governo americano não tinha a menor intenção de fazer nada. Recusar-se a chamar o que ocorreu com tantos prisioneiros no Iraque, no Afeganistão ou na baía de Guantánamo pelo seu nome verdadeiro − “tortura” − é tão escandaloso quanto a recusa em chamar o genocídio de Ruanda de genocídio. A respeito dos presos no Iraque, disse o governo que foram objetos de “maus tratos” ou até de “humilhação” − isso foi o máximo que admitiu o secretário de Defesa Donald Rumsfeld, numa entrevista coletiva. E concluiu: “Portanto, não vou usar a palavra tortura”. As palavras podem ser utilizadas com eufemismo por duas razões, pelo menos: atendendo à delicadeza de quem as pronuncia, para não chocar desnecessariamente o interlocutor, ou encobrindo com má-fé o ato ignominioso, que se falseia para ocultar a responsabilidade de quem o praticou. Para uma escritora crítica como Susan Sontag, essas operações não se confundem jamais, e ela parece nos alertar para que também nós apuremos os ouvidos diante do que realmente dizem as palavras, ao descreverem um fato.
Está clara e correta a redação deste livre comentário sobre o texto:
a)
Não tivessem as palavras um peso decisivo na determinação e qualificação dos fatos, a ninguém ocorreria valer-se delas para mascarar a realidade. |
b)
Quem deseja ocultar a verdade de um fato supõe que este seja sensível às palavras, razão pela qual estas são convocadas para traduzir-lhe diante de todos. |
c)
O emprego discriminatório das palavras pode até trazer benefício à quem o faça, mas certamente não colabora para com a verdade dos fatos a elas submissos. |
d)
O caso dos prisioneiros políticos do Iraque, do Afeganistão ou de Guantánamo, traduz bem a camuflagem com que se apresenta as palavras, quando de seu interesse. |
e)
Nem por eufemismo deveria-se confundir a delicadeza das palavras com a má-fé que as habita, mormente quando utilizadas por quem lhes reconhece o peso decisivo. |
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