Uma cabeleira cor-de-rosa ou verde, um nariz de palha- ço, luvas de Mickey gigantescas, pouco importa. Eis que surge numa esquina, e replica-se em outras dez, o personagem mais solitário de nossas ruas, o homem-placa das novas incorpora- ções imobiliárias. Digo homem-placa, não porque ele seja vítima do velho sistema de ficar ensanduichado entre duas tábuas de madeira anunciando remédios ou espetáculos de teatro, nem porque, numa versão mais recente, amarrem-lhe ao corpo um meio colete de plástico amarelo para avisar que se compra ouro ali por perto. Ele é homem-placa porque sua função é mostrar, a cada encruzilhada mais importante do caminho, a direção certa para o novo prédio de apartamentos que está sendo lançado.
Durante uma época, a prática foi encostar carros velhíssimos, verdadeiras sucatas, numa vaga de esquina, colocando o anúncio do prédio em cima da capota. O efeito era ruim, sem dúvida. Como acreditar no luxo e na distinção do edifício Duvalier, com seu espaço gourmet e seu depósito de vinho individual, se todo o sonho estava montado em cima de um Opala 74 cor de tijolo com dois pneus no chão?
Eliminaram-se os carros-placa, assim como já pertencem ao passado os grandes lançamentos performáticos do mercado imobiliário. A coisa tinha, cerca de dez anos atrás, proporções teatrais. Determinado prédio homenageava a Nova York eterna: mocinhas eram contratadas para se fantasiarem de Estátua da Liberdade, com o rosto pintado de verde, a tocha de plástico numa mão, o folheto colorido na outra. Ou então era o Tio Sam, eram Marilyns e Kennedys, que ocupavam a avenida Brasil, a Nove de Julho, as ruas do Itaim.
Esses homens e mulheres-placa não se comparam sequer ao guardador de carros, que precisa impor certa presença ao cliente incauto. Estão ali graças à sua inexistência social. Só que sua função, paradoxalmente, é a de serem vistos; um cabelo azul, um gesto repetitivo apontando o caminho já bastam.
(Adaptado de: Marcelo Coelho, www.marcelocoelho.folha. blogspot.uol.com)
Os homens e mulheres-placa, no desempenho de sua função, evidenciam o paradoxo:
a)
da reduzida eficácia que esse antigo e bem-sucedido recurso publicitário obtém nos dias atuais. |
b)
de se preservar o romantismo do passado na utilização de uma técnica moderna de comunicação. |
c)
de se chamar a atenção para a ostensiva presença pública de quem está imerso no anonimato. |
d)
da teimosa insistência dos empreendedores financeiros numa anacrônica tática de vendas. |
e)
da resignação com que fazem de seus próprios corpos matéria de propaganda imobiliária. |
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