1 A França, berço da tríade de valores modernos de liberdade, 2 igualdade e fraternidade, deu passo temerário ao 3 proibir o uso, em espaços públicos, de véus que cubram 4 totalmente o rosto. Trata-se de uma manifestação de intolerância 5 difícil de reconciliar com os valores que a nação 6 francesa veio a representar no mundo. 7 Na prática, a proibição criminaliza o porte de indumentárias 8 tradicionais em alguns grupos muçulmanos, como o 9 niqab (que deixa só os olhos à mostra) e a burca (que os 10 mantém cobertos por uma tela). A legislação adotada em 11 2010 entrou em vigor nesta semana e já motivou a aplicação 12 de uma multa de cerca de R$ 340. 13 A lei interdita o uso de vestimentas que impeçam a 14 identificação da pessoa, sob o pretexto de que essa dissimulação 15 pode favorecer comportamentos suscetíveis de 16 perturbar a ordem pública. Vale para ruas, parques, escolas, 17 repartições, bibliotecas, hospitais, delegacias e ginásios 18 de esporte. Domicílios, veículos particulares e locais 19 de culto ficam excetuados. 20 Nesse grau de generalidade, a lei se aplicaria a qualquer 21 acessório - como máscaras ou capacetes - que oculte 22 o rosto. A intenção de discriminar muçulmanas transparece 23 quando se considera a exceção feita na lei: máscaras 24 usadas no contexto de festas, manifestações artísticas ou 25 procissões religiosas, "desde que se revistam de caráter 26 tradicional". 27 Cristãos, portanto, podem cobrir o rosto no Carnaval, 28 no Halloween ou em procissões. Muçulmanas, no dia a 29 dia, não - ainda que a peça seja de uso tradicional. O argumento 30 da obrigatoriedade de identificação é ponderável. 31 A própria legislação admite que a identidade seja confirmada 32 em recinto policial. A imposição de multa, porém, parece 33 abusiva. 34 A roupa e o uso de adereços - como crucifixos ou outros 35 símbolos religiosos - deveriam ser considerados parte integrante 36 do direito à expressão da personalidade, o que inclui 37 a fé. Decerto que em muitos casos o uso do véu é imposto 38 pela família e pode ser um símbolo de sujeição da 39 mulher, mas basta uma que o faça por vontade própria 40 para que a lei resulte em violação de seus direitos. 41 A medida extrema só encontra explicação no sentimento 42 xenófobo que se dissemina pela França. Vem a calhar 43 para o presidente Nicolas Sarkozy, que parece disposto 44 a tudo para melhorar seus índices de popularidade.
(Folha de S.Paulo. Opinião. 13 de abril de 2011)
É correto afirmar:
a)
Os parênteses (linhas 9 e 10), nos dois casos, acolhem retificação do significado comumente atribuído às palavras niqab e burca. |
b)
Os termos separados por vírgulas e unidos pelo e (linhas 16 a 18) - Vale para ruas [...] e ginásios de esporte - formam sequência que vai do ambiente menor para o maior. |
c)
As aspas (linhas 25 e 26) indicam que o autor do segmento não é o editorialista. |
d)
O travessão depois da palavra não (linha 29) é exigência, pois ele sinaliza que a expressão podem cobrir foi suprimida. |
e)
Os travessões (linhas 34 e 35) isolam uma comparação, alojando os termos considerados superiores aos demais. |
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