Leia o texto abaixo transcrito e, em seguida, responda à questão a ele referente.
É ético fazer a cabeça de nossos alunos?
Alguns dos livros de história mais usados nas escolas brasileiras carregam na ideologia, que divide o mundo entre os capitalistas malvados e os heróis da resistência As aulas voltaram, por estas semanas, e decidi tirar a limpo uma velha questão: há ou não doutrinação ideológica em nossos livros didáticos? Para responder à pergunta, analisei alguns dos livros de história e sociologia mais adotados no país. Entre os dez livros que analisei, não encontrei, infelizmente, nenhum ?pluralista? ou particularmente cuidadoso ao tratar de temas de natureza política ou econômica.
O viés político surge no recorte dos fatos, na seleção das imagens, nas indicações de leituras, de filmes e de links culturais. A coisa toda opera à moda Star wars: o lado negro da força é a ?globalização neoliberal?. O lado bom é a ?resistência? do Fórum Social Mundial, de Porto Alegre, e dos ?movimentos sociais?. No Brasil contemporâneo, Fernando Henrique Cardoso é Darth Vader, Lula é Luke Skywalker.
No livro Estudos de história, da Editora FTD, por exemplo, nossos alunos aprenderão que Fernando Henrique era neoliberal (apesar de ?tentar negar?) e seguiu a cartilha de Collor de Melo; e que os ?resultados dessas políticas foram desastrosos?. Em sua época, havia ?denúncias de subornos, favorecimentos e corrupção? por todos os lados, mas ?pouco se investigou?.
Nossos adolescentes saberão que ?as privatizações produziram desemprego? e que o país assistia ao aumento da violência urbana e da concentração de renda e à ?diminuição dos investimentos?. E que, de quebra, o MST pressionava pela reforma agrária, ?sem sucesso?.
Na página seguinte, a luz. Ilustrado com o decalque vermelho da campanha ?Lula Rede Brasil Popular?, o texto ensina que, em 2002, ?pela primeira vez? no país, alguém que ?não era da elite? é eleito presidente. E que, ?graças à política social do governo Lula?, 20 milhões de pessoas saíram da miséria. Isso tudo fez a economia crescer e ?telefones celulares, eletrodomésticos sofisticados e computadores passaram a fazer parte do cotidiano de milhões de pessoas, que antes estavam à margem desse perfil de consumo?.
Na leitura seguinte, do livro História geral e do Brasil, da Editora Scipione, o quadro era o mesmo. O PSDB é um partido ?supostamente ético e ideológico? e os anos de Fernando Henrique são o cão da peste. Foram tempos de desemprego crescente, de ?compromissos com as finanças internacionais?, em que ?o crime organizado expandiu-se em torno do tráfico de
drogas, convertendo-se em poder paralelo nas favelas?.
Com o governo Lula, tudo muda, ainda que com alguns senões. Numa curiosa aula de economia, os autores tentam explicar por que a ?expansão econômica? foi ?limitada?: pela adoção de uma ?política amigável aos interesses estrangeiros, simbolizada pela liberdade ao capital especulativo?; pela ?manutenção,
até 2005, dos acordos com o FMI? e dos ?pagamentos
da dívida externa?.
O livro História conecte, da Editora Saraiva, segue o mesmo roteiro. O governo Fernando Henrique é ?neoliberal?. Privatizou ?a maioria das empresas estatais? e os US$ 30 bilhões arrecadados ?não foram investidos em saúde e educação, mas em lucros aos investidores e especuladores, com altas taxas de juros?. A frase mais curiosa vem no final: em seu segundo mandato, Fernando Henrique não fez ?nenhuma reforma? nem tomou ?nenhuma medida importante?. Imaginei o presidente deitado em uma rede, enquanto o país aprovava a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), o fator previdenciário (1999) ou o Bolsa Escola (2001).
No livro História para o ensino médio, da Atual Editora, é curioso o tratamento dado ao ?mensalão?. Nossos alunos saberão apenas que houve ?denúncias de corrupção? contra o governo Lula, incluindo-se um caso conhecido como mensalão, ?amplamente explorado pela imprensa liberal de oposição ao petismo?.
Sobre a América Latina, nossos alunos aprenderão que o Paraguai foi excluído do Mercosul em 2012, por causa do ?golpe de Estado?, que tirou do poder Fernando Hugo. Saberão que, com a eleição de Hugo Chávez, a Venezuela torna-se o ?centro de contestação à política de globalização da economia liderada pelos Estados Unidos?. Que ?a classe média e as elites conservadoras? não aceitaram as transformações produzidas pelo chavismo, mas que o comandante ?conseguiu se consolidar?. Sobre a situação econômica da Venezuela, alguma informação? Algum dado crítico para dar uma equilibrada e permitir aos alunos que formem uma opinião? Nada.
Curioso é o tratamento dado às ditaduras da América Latina. Para os casos da Argentina, Uruguai e Chile, um capítulo (merecido) mostrando os horrores do autoritarismo e seus heróis: extratos de As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano; as mães da Praça de Maio, na Argentina; o músico Víctor Jara, executado pelo regime de Pinochet. Tudo perfeito.
Quando, porém, se trata de Cuba, a conversa é inteiramente diferente. A única ditadura que aparece é a de Fulgêncio Batista. Em vez de filmes como Antes do anoitecer, sobre a repressão ao escritor homossexual Reynaldo Arenas, nossos estudantes são orientados a assistir a Diários de Motocicleta, Che e Personal Che.
As restrições do castrismo à ?liberdade de pensamento? surgem como ?contradições? da revolução. Alguma palavra sobre os balseiros cubanos? Alguma fotografia, sugestão de filme ou link cultural? Alguma coisa sobre o paredón cubano? Alguma coisa sobre Yoane Sánchez ou as Damas de Branco? Zero. Nossos estudantes não terão essas informações para produzir seu próprio juízo. É precisamente isso que se chama ideologização.
A doutrinação torna-se ainda mais aguda quando passamos para os manuais de sociologia. Em plena era das sociedades de rede, da revolução maker, da explosão dos coworkings e da economia colaborativa, nossos jovens aprendem uma rudimentar visão binária de mundo, feita de capitalistas malvados versus heróis da ?resistência?. Em vez de encarar o século XXI e suas incríveis perspectivas, são conduzidos de volta à Manchester do século XIX.
Superar esse problema não é uma tarefa trivial.Há um ?mercado? de produtores de livros didáticos bem estabelecido no país, agindo sob a inércia de nossas editoras e a passividade de pais, professores e autoridades de educação. Sob o argumento malandro de que ?tudo é ideologia?, essas pessoas prejudicam o desenvolvimento do espírito crítico de nossos alunos. E com isso fazem muito mal à educação brasileira.
Artigo escrito pelo filósofo Fernando L. Schüler. Revista Época. Edição de 07 de março de 2016. Número 925
Considerado na sua totalidade, qual é o tema central do texto?
a) A visão binária de ver o mundo é positiva no processo educacional
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b) A doutrinação é um procedimento relevante ao processo educacional.
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c) A abordagem temática da disciplina História precisa ser revista.
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d) A abordagem temática da disciplina Sociologia precisa ser revista.
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e) A suposta ideologização que impregna os livros didáticos utilizados nas escolas do sistema educacional brasileiro.
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