Muita gente parece achar que a última flor do Lácio, além de inculta e apesar de bela, como Bilac a descreveu, é pobre demais: precisa de injeções frequentes de outros idiomas, de preferência o inglês. 5 São aqueles que nunca estacionam seus carros: parqueiam-nos. Suas amadas jamais têm encantos: são cheias de glamour. Emoções são trips, e o pessoal fica down em vez de deprimido, o que não é nada o.k. Uma turma, sem dúvida, muito over. 10 E quem entende a nossa importação dos billboards americanos (anúncios em grandes cartazes ao ar livre), batizando-os de outdoors? Combater as importações bobocas ou desne- cessárias não é simples. Existem as necessárias. 15 Nenhum vocabulário é imutável, fechado. Toda sociedade absorve experiências e criações de outros povos, e nem sempre dispõe de expressões que definam as novidades necessárias. Muitas vezes, é preciso adotar simultaneamente o termo e a atividade ou a 20 coisa. Não há nada errado em surfar e andar de skate - este, mesmo sem ter virado esqueite, diferente do esqui. Ou comer uma pizza, tomar um sakê. Seria insensato rejeitar o bar dos ingleses ou a sauna dos finlandeses. 25 Enfim, é tão importante zelar pelo nosso vocabulário como não rejeitar aquisições indispensáveis ou obviamente convenientes. A importação de palavras é indispensável quando trazemos para o dia a dia algo de novo. Quando o futebol 30 veio da Inglaterra, trouxe na bagagem o córner, o gol, o pênalti, o chute. O zagueiro, fomos buscar, sabe-se lá por quê, na Espanha. A regra deveria ser óbvia: importar o indispensável, por sê-lo. E evitar a frescura de usar expressões 35 estrangeiras gratuitamente. Há óbvia diferença entre aceitar um termo sem equivalente nacional e trazer outro, que tem apenas o suposto encanto (não o charme, claro) de tornar a comunicação mais sofisticada ou elegante. 40 Ressuscito este arrazoado provocado por praga recente: o Rio (ou o Brasil inteiro, sei lá) está cheio de estabelecimentos que entregam compras em domicílio apregoando em cartazes que fazem a tal delivery. São fornecedores de pizzas, sanduíches e outras 45 comidinhas (para os que não sabem o que seja uma comidinha, informo, resignado: é o que vocês chamam de fast food). Será possível que esses comerciantes estão convencidos de que o serviço anunciado em inglês torna-se 50 mais confiável? O alimento delivered chega mais depressa e mais quentinho? Não acredito. Deve ser frescura mesmo.
GARCIA, Luiz. O Globo, 5 ago. 2008. (com adaptações)
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