Antes de cair em desuso, ser varrido para a pilha dos hábitos ideologicamente caretas ou não encontrar eco no vale-tudo em que se transformou o ambiente escolar nacional, hino e bandeira formavam uma dupla invencível. Para quem era estudante nas priscas eras em que colégios desfilavam na parada do 7 de setembro, como não lembrar da ansiedade de véspera? Adormecia-se com o uniforme mil vezes repassado e tinindo no cabide. No dia da parada, desfilar cantando a plenos pulmões e ardor juvenil era uma gostosura. A um passo do heroico.
Pena que, por causa do excesso de rebusques nos vocábulos e tortuosas construções gramaticais, a letra do nosso grande canto nacional não facilite o arroubo patriótico. Embora o autor dos versos, o poeta Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927), tenha feito onze alterações mesmo depois de considerar a obra pronta, em 1909, o hino não se tornou menos barroco. Daí o entusiasmo, para não dizer alívio, quando em estádios, ginásios, passeatas e demais eventos nos quais ele faz sua aparição chega o momento do refrão: Terra adorada/Entre outras mil/És tu, Brasil/Ó pátria amada. Ufa.
Ainda assim, toda segunda-feira, no colégio municipal Camilo Castelo Branco, no Rio de Janeiro, no inglório horário de sete e dez da manhã, parte dos 606 alunos de 10 a 14 anos forma fila para assistir ao hasteamento do nosso lábaro. E então, nas adjacências do colégio, se houve o hino ecoar.
Contudo, mesmo o diretor da escola acha o hino longo demais. A coordenadora pedagógica faz um diagnóstico mais clínico. “Tirando o Kaká, nem os jogadores de futebol sabem a letra toda. Muito menos o que ela quer dizer. Aqui no colégio trabalhamos o texto nas aulas de português e no Centro de Estudos do Aluno, pois ninguém sabe onde fica o Ipiranga nem o que significa plácidas.” Que dirá fúlgidas, garrida e lábaro, usado sem piedade no parágrafo anterior.
Muitas nações como, por exemplo, a Alemanha e a Rússia, por diversas razões históricas, viram seus hinos tornarem-se incomodamente obsoletos e diferentes versões destes hinos tiveram que ser compostas para que se tornassem politicamente corretos. A Espanha mantém um hino sem letra desde a morte do ditador Francisco Franco, 34 anos atrás. Diante de tantos acidentes patrióticos mundo afora, o nosso impávido colosso que ergue da justiça a clava forte merece ser louvado. E cantado a plenos pulmões, mesmo que não se saiba o que significa clava.
Texto adaptado de: A PLENOS PULMÕES. Piauí_34: p. 7, ano 3, jul. 2009.
Assinale a alternativa correta.
a)
A expressão "impávido colosso", retirada do Hino Nacional e destacada no último parágrafo, faz referência ao destemor do povo brasileiro. |
b)
A expressão "arroubo patriótico", destacada no segundo parágrafo, refere-se a sentimentos de enlevo, arrebatamento e encanto em relação à pátria. |
c)
A expressão "nas priscas eras", destacada no primeiro parágrafo, é um adjunto adverbial derivado do verbo "ser", conjugado na segunda pessoa do singular do Pretérito Imperfeito do Indicativo. |
d)
A palavra "lábaro" é empregada no terceiro e no quarto parágrafos com sentidos diferentes: no terceiro significa "flâmula" e no quarto significa "pavilhão". |
e)
O vocábulo "obsoletos", destacado no último parágrafo, é um adjetivo que qualifica o substantivo "hinos", ao qual atribui qualidade de obscenos. |
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