Há uma rotina de ideias a que não escapa sequer o escritor original. Os grandes temas, os temas universais, reduzem-se a uma contagem nos dedos – e quem escreve ficção vai beber sempre na mesma aguada. Um ficcionista puxa outro. Dostoievski, Faulkner, Kafka deflagraram muitos contemporâneos, graças à sua força extraordinária de gravitação. Servem de impulso à primeira largada, seus modos de dizer e maneira de ver e sentir o mundo deixam de ser propriedade privada, incorporam-se à literatura como conquista de uma época, um condomínio em que as ideias se desligam e flutuam soltas.
Fala-se comumente em influências na obra deste ou daquele autor. O termo, com o tempo, perdeu contorno pejorativo. Quem não tem influências, quem não se abeberou em alguém? Literatura é um organismo vivo que não cessa de receber subsídios. Felizes os que, contribuindo com essa coisa inquietante que é escrever, revigoram-lhe o lastro. Eles se realizam em termos de criação artística e contribuem, com sua experiência e suas descobertas, para que outros cheguem e deitem ali, também, o seu fardo.
Stendhal inventou para o amor a teoria da cristalização que se poderia aplicar à coisa literária. No fundo, as ideias são as mesmas, descrevem um círculo vicioso que o escritor preenche conscientemente, se acrescentar ao que já encontrou feito uma dimensão pessoal. Criação espontânea, inspiração, musa? Provavelmente não existem, pelo menos na proporção em que os românticos quiseram valorizar as manifestações do seu espírito. Escrever – e falo sempre em termos de criar – é um exercício meticuloso em busca do amadurecimento; quem escreve retoma uma experiência sedimentada, com o dever, que só alguns eleitos cumprem, de alargá-la dentro da perspectiva do homem e da época.
(Hélio Pólvora. Graciliano, Machado, Drummond & Outros. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975, pp. 37-38)
A respeito do 1º parágrafo, é INCORRETO o que se afirma em:
a)
Há uma rotina de ideias a que não escapa sequer o escritor original. Uma nova redação, sem alteração do sentido original da frase acima, está em: Nem mesmo o escritor original escapa a uma rotina de ideias. |
b)
... e quem escreve ficção vai beber sempre na mesma aguada ... O sentido da afirmativa acima é retomado na questão colocada no 2º parágrafo: quem não se abeberou em alguém? |
c)
Dostoievski, Faulkner, Kafka deflagraram muitos contemporâneos, graças à sua força extraordinária de gravitação. Observa-se entre as orações do período acima relação sintática de consequência e sua causa imediata, respectivamente. |
d)
Servem de impulso à primeira largada, (...) incorporam-se à literatura como conquista de uma época ... Os segmentos grifados exercem a mesma função sintática, em seus respectivos períodos. |
e)
... um condomínio em que as ideias se desligam e flutuam soltas. Na frase acima, a noção de condomínio pressupõe um conjunto de autores que deixaram o testemunho de sua maneira de ver e de sentir o mundo, característica de determinada época. |
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