As crianças de hoje parecem nascer já familiarizadas com todas as engenhocas eletrônicas que estarão no centro de suas vidas. Jogos, internet, e-mails, músicas, textos, fotos, tudo está à disposição à qualquer hora do dia e da noite, ao alcance dos dedos. Era de se esperar que um velho recurso para se entreter e ensinar crianças como adultos − contar histórias − estivesse vencido, morto e enterrado. Ledo engano. Não é incomum que meninos abandonem subitamente sua conexão digital para ouvirem da viva voz de alguém uma história anunciada pela vetusta entrada do “Era uma vez...”.
Nas narrativas orais − talvez o mais antigo e proveitoso deleite da nossa civilização – a presença do narrador faz toda a diferença. As inflexões da voz, os gestos, os trejeitos faciais, os silêncios estratégicos, o ritmo das palavras – tudo é vivo, sensível e vibrante. A conexão se estabelece diretamente entre pessoas de carne e osso, a situação é única e os momentos decorrem em tempo real e bem marcado. O ouvinte sente que o narrador se interessa por sua escuta, o narrador sabe-se valorizado pela atenção de quem o ouve, a narrativa os une como num caloroso laço de vozes e de palavras.
As histórias clássicas ganham novo sabor a cada modo de contar, na arte de cada intérprete. Não é isso, também, o que se busca num teatro? Nas narrações, as palavras suscitam imagens íntimas em quem as ouve, e esse ouvinte pode, se quiser, interromper o narrador para esclarecer um detalhe, emitir um juízo ou simplesmente uma interjeição. Havendo vários ouvintes, forma-se uma roda viva, uma cadeia de atenções que dá ainda mais corpo à história narrada. Nesses momentos, é como se o fogo das nossas primitivas cavernas se acendesse, para que em volta dele todos comungássemos o encanto e a magia que está em contar e ouvir histórias. Na época da informática, a voz milenar dos narradores parece se fazer atual e eterna.
(Demócrito Serapião, inédito)
Atente para as seguintes afirmações:
I. No 1.º parágrafo, à advertência Ledo engano segue-se a convicção de que a atração das crianças por histórias contadas diretamente a elas não é menor do que a que sentem pelas desenvolvidas com recursos eletrônicos.
II. No 2.º parágrafo, a expressão caloroso laço de vozes e de palavras reafirma a importância já ressaltada pela afirmação de que a presença do narrador faz toda a diferença.
III. No 3.º parágrafo, depreende-se que a analogia entre a narrativa oral e a arte do teatro ocorre por força de um elemento comum: a interpretação pessoal e atualizada que se pode dar a narrativas tradicionais.
Em relação ao texto, está correto o que se afirma em
a)
I, II e III. |
b)
I e II, apenas. |
c)
I e III, apenas. |
d)
II e III, apenas. |
e)
II, apenas. |
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