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Comentários / Câmara dos Deputados - Analista Legislativo - Consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira - CESPE - UnB - 2014 - Provas - Manhã e Tarde


O antropólogo contra o Estado

1 		Pedi ao antropólogo Eduardo Viveiros de Castro que
	falasse sobre a ideia que o projetou. A síntese da metafísica dos
	povos “exóticos” surgiu em 1996 e ganhou o nome de
4 	“perspectivismo ameríndio”.
		Fazia já alguns anos, então, que o antropólogo se
	ocupava de um traço específico do pensamento indígena nas
7 	Américas. Em contraste com a ênfase dada pelas sociedades
	industriais à produção de objetos, vigora entre esses povos a
	lógica da predação. O pensamento ameríndio dá muita
10 	importância às relações entre caça e caçador — que têm, para
	eles, um valor comparável ao que conferimos ao trabalho e à
	fabricação de bens de consumo. Diferentes espécies animais
13 	são pensadas com base na posição que ocupam nessa relação.
	Gente, por exemplo, é, ao mesmo tempo, presa de onça e
	predadora de porcos.
16 		Pesquisas realizadas por duas alunas de Viveiros de
	Castro, na mesma época, com diferentes grupos indígenas da
	Amazônia, chamavam a atenção para outra característica
19 	curiosa de seu pensamento: de acordo com os interlocutores de
	ambas, os animais podiam assumir a perspectiva humana. Um
	levantamento realizado então indicava a existência de ideias
22 	semelhantes em outros grupos espalhados pelas Américas, do
	Alasca à Patagônia. Segundo diferentes etnias, os porcos, por
	exemplo, se viam uns aos outros como gente. E enxergavam os
25 	humanos, seus predadores, como onça. As onças, por sua vez,
	viam a si mesmas e às outras onças como gente. Para elas,
	contudo, os índios eram tapires ou pecaris — eram presa.
28 		Ser gente parecia uma questão de ponto de vista.
	Gente é quem ocupa a posição de sujeito. No mundo
	amazônico, escreveu o antropólogo, “há mais pessoas no céu
31 	e na terra do que sonham nossas antropologias”.
		Ao se verem como gente, os animais adotam também
	todas as características culturais humanas. Da perspectiva de
34 	um urubu, os vermes da carne podre que ele come são peixes
	grelhados, comida de gente. O sangue que a onça bebe é, para
	ela, cauim, porque é cauim o que se bebe com tanto gosto.
37 	Urubus entre urubus também têm relações sociais humanas,
	com ritos, festas e regras de casamento.
		Tudo se passa, conforme Viveiros de Castro, como se
40 	os índios pensassem o mundo de maneira inversa à nossa, se
	consideradas as noções de “natureza” e de “cultura”. Para nós,
	o que é dado, o universal, é a natureza, igual para todos os
43 	povos do planeta. O que é construído é a cultura, que varia de
	uma sociedade para outra. Para os povos ameríndios, ao
	contrário, o dado universal é a cultura, uma única cultura, que
46 	é sempre a mesma para todo sujeito. Ser gente, para seres
	humanos, animais e espíritos, é viver segundo as regras de
	casamento do grupo, comer peixe, beber cauim, temer onça,
49 	caçar porco.
		Mas se a cultura é igual para todos, algo precisa
	mudar. E o que muda, o que é construído, dependendo do
52 	observador, é a natureza. Para o urubu, os vermes no corpo em
	decomposição são peixe assado. Para nós, são vermes. Não há
	uma terceira posição, superior e fundadora das outras duas. Ao
55 	passarmos de um observador a outro, para que a cultura
	permaneça a mesma, toda a natureza em volta precisa mudar.

Rafael Cariello. O antropólogo contra o Estado. In: Revista piauí, n.º 88, jan./2014 (com adaptações).

Questão:

Em relação ao texto acima, julgue o item.

As formas verbais “surgiu” e “ganhou”, ambas na linha 3, poderiam, sem prejuízo dos sentidos do texto, ser substituídas por surgira e ganhara, respectivamente, pois indicam ações anteriores àquelas referidas no primeiro período do texto.

Resposta correta
Certa.
Resposta errada
Errada.

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