Certa vez, um velho Tupinambá me perguntou: "Por que vocês, mairs [franceses] e perós [portugueses], vêm de tão longe para buscar lenha? Por acaso não existem árvores na sua terra?" Respondi que sim, que tínhamos muitas, mas não daquela qualidade, e que não as queimávamos, como ele supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir. "E precisam de tanta assim?", retrucou o velho Tupinambá. "Sim", respondi, "pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que se possa imaginar, e um só deles compra todo o pau-brasil que possamos carregar." "Ah!", tornou a retrucar o selvagem. "Você me conta maravilhas. Mas me diga: esse homem tão rico de quem você me fala, não morre?" "Sim", disse eu, "morre como os outros". Aqueles selvagens são grandes debatedores e gostam de ir ao fim em qualquer assunto. Por isso, o velho indígena me inquiriu outra vez: "E quando morrem os ricos, para quem fica o que deixam?" "Para seus filhos, se os têm", respondi. "Na falta destes, para os irmãos e parentes próximos." "Bem vejo agora que vocês, mairs, são mesmo uns grandes tolos. Sofrem tanto para cruzar o mar, suportando todas as privações e incômodos dos quais sempre falam quando aqui chegam, e trabalham dessa maneira apenas para amontoar riquezas para seus filhos ou para aqueles que vão sucedê-los? A terra que os alimenta não será por acaso suficiente para alimentar a eles? Nós também temos filhos a quem ama- mos. Mas estamos certos de que, depois da nossa morte, a terra que nos nutriu nutrirá também a eles. Por isso, descansamos sem maiores preocupações."
(BUENO, Eduardo. Pau Brasil. São Paulo: Axis Mundi, 2002)
O diálogo entre o pastor calvinista Jean de Léry (1534-1611) e o velho Tupinambá, travado em algum momento da estada de Léry no Rio de Janeiro, entre março de 1557 e janeiro de 1558, é revelador
a)
da aliança entre portugueses e franceses no Atlântico sul, o que permitiu aos dois países explorarem conjuntamente as riquezas da América e, ao mesmo tempo, isolarem os espanhóis na porção mais ocidental do continente. |
b)
da necessidade que Portugal tinha em exigir do papado um posicionamento favorável à partilha das terras recém- -descobertas e por descobrir apenas entre portugueses e espanhóis, o que só aconteceu no final do século XVII. |
c)
do permanente conflito ocorrido entre os povos nativos da América e os colonizadores europeus, que não conseguiram estabelecer nenhuma forma de diálogo com os povos indígenas e participaram de constantes guerras de extermínio. |
d)
da importância econômica que o pau-brasil tinha para os europeus no início da colonização e das intensas disputas entre portugueses e franceses pelas terras da América do Sul no século XVI, há pouco descobertas pela Coroa Portuguesa. |
e)
da proximidade de pensamento entre os povos indígenas e os franceses, em geral mais respeitosos na relação com a natureza e com os nativos da América do que os portugueses, responsáveis por uma prática econômica predatória. |
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