O Brasil é um navio negreiro em direção ao futuro Um negreiro, com milhões de pobres excluídos nos porões – sem comida, educação, saúde – e uma elite no convés, usufruindo de elevado padrão de consumo 5 em direção a um futuro desastroso. O Brasil é um Titanic negreiro: insensível aos porões e aos icebergs. Porque nossa economia tem sido baseada na exclusão social e no curto prazo. [...] 10 Durante toda nossa história, o convés jogou restos para os porões, na tentativa de manter uma mão de obra viva e evitar a violência. Fizemos uma economia para poucos e uma assistência para enganar os outros. [...] O sistema escravocrata acabou, mas continuamos 15 nos tempos da assistência, no lugar da abolição. A eco- nomia brasileira, ao longo de nossa história, desde 1888 e sobretudo nas últimas duas décadas, em plena de- mocracia, não é comprometida com a abolição. No máximo incentiva a assistência. Assistimos meninos de 20 rua, mas não nos propomos a abolir a infância abando- nada; assistimos prostitutas infantis, mas nem ao me- nos acreditamos ser possível abolir a prostituição de crianças; anunciamos com orgulho que diminuímos o número de meninos trabalhando, mas não fazemos o 25 esforço necessário para abolir o trabalho infantil; dize- mos ter 95% das crianças matriculadas, esquecendo de pedir desculpas às 5% abandonadas, tanto quanto se dizia, em 1870, que apenas 70% dos negros eram escravos. 30 [...] Na época da escravidão, muitos eram a favor da abolição, mas diziam que não havia recursos para aten- der o direito adquirido do dono, comprando os escravos antes de liberá-los. Outros diziam que a abolição desorganizaria o processo produtivo. Hoje dizemos o 35 mesmo em relação aos gastos com educação, saúde, alimentação do nosso povo. Os compromissos do setor público com direitos adquiridos não permitem atender às necessidades de recursos para educação e saúde nos orçamentos do setor público. 40 Uma economia da abolição tem a obrigação de ze- lar pela estabilidade monetária, porque a inflação pesa sobretudo nos porões do barco Brasil; não é possível tampouco aumentar a enorme carga fiscal que já pesa sobre todo o país; nem podemos ignorar a força dos 45 credores. Mas uma nação com a nossa renda nacional, com o poder de arrecadação do nosso setor público, tem os recursos necessários para implementar uma economia da abolição, a serviço do povo, garantindo educação, saúde, alimentação para todos. [...]
BUARQUE, Cristovam. O Globo. 03 abr. 03.
“A economia brasileira [...], em plena democracia, não é comprometida com a abolição.” (l. 15-18). Nos dicionários, a palavra “abolição” assume o sentido de extinção, de supressão. No texto, essa palavra alarga seu sentido e ganha o valor de:
a)
exclusão. |
b)
legitimação. |
c)
regulamentação. |
d)
inclusão. |
e)
abonação. |
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