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Comentários / Empresa de Pesquisa Energética - EPE - Advogado - CESGRANRIO - 2010 - Prova Objetiva


Futuro Tecnológico

					Olho para o monitor à minha frente e lembro como,
			faz tão pouco tempo, eu estaria diante de uma pilha
			de laudas em branco, ajeitando pelo menos duas
			delas na máquina de escrever com uma folha de
		5 	papel-carbono ensanduichada entre elas. Os erros
			eram apagados com uma sucessão de xis e as emendas
			feitas laboriosamente a caneta, resultando disso
			um texto imundo e desfavoravelmente comparável a
			um papiro deteriorado. Dicionário era na base do le-
		10 	vantamento de peso e da lupa de leitura e descobrir
			se o nome de um sujeito era com q ou com k às vezes
			demandava até pesquisa telefônica. E, depois de escrever
			a matéria, ainda se tinha de enfiá-la num malote
			e rezar para que chegasse a tempo.
		15 			Hoje acho que teria dificuldade em encontrar
			papel-carbono para comprar, a juventude nem sabe o
			que é máquina de escrever, os dicionários, enciclopé-
			dias e até papiros deteriorados estão a um par de
			cliques de distância e tudo, de textos a ilustrações, se
		20 	manda por via eletrônica. Claro, ninguém ou quase
			ninguém tem saudade dos velhos tempos trabalho-
			sos, até porque não adianta e quem não gostar pode
			descer do bonde. E minha situação não é diferente,
			mas de vez em quando fico pensando em certos pro-
		25 	gressos e cá me ocorrem algumas dúvidas.
					Uma das vantagens atuais em que mais se fala é
			a possibilidade de trabalhar em casa que agora muita
			gente tem, em vez de se engravatar, pegar transporte
			ou se estressar de carro e comparecer a um escritório
		30 	todos os dias. Há cada vez mais felizardos que traba-
			lham de bermuda, sem camisa e até à beira de uma
			piscina, almoçam comidinha caseira e econômica,
			estão na vida que pediram a Deus. Mas acho que, se,
			em certos casos, isso é verdade, em outros nem tan-
		35 	to, pelo menos a longo prazo. Será que é melhor mes-
			mo não conviver mais com colegas, não participar do
			bom e do educativamente chato que a convivência
			diária do trabalho enseja? Será que podemos mesmo
			dispensar, sem grande prejuízo, as amizades feitas
		40 	assim, a experiência e o conhecimento que assim nos
			adviriam? E, se essa prática dá certo no trabalho, por
			que não dará na escola? Os estudantes teriam aulas
			pela Internet, com diversas vantagens sobre o siste-
			ma atual, dispendioso e cheio de riscos, ocasionados
		45 	até mesmo pela convivência com colegas violentos ou
			inconvenientes.
					Não tenho tanta certeza dessas vantagens, como
			acho que pelo menos alguns de vocês também não
			têm. Sei de gente que dedica todas as suas horas va-
		50 	gas à Internet, no sem-número de grupos de que se
			pode participar. Assim mesmo, não sobra tempo para
			responder à enxurrada diária de e-mails e mensagens
			variadas. O contato pessoal direto, já ameaçado pelo
			medo que temos de sair (embora também tenhamos
		55 	medo de ficar em casa, a vida é dura), se torna, para a
			turma mais radical, um risco desnecessário, uma coi-
			sa até meio passée, quando dispomos de recursos
			como os programas de conversa e as webcams. Tudo
			muito certo, tudo muito bom, mas me incluo no time
		60 	dos que acham que, nesse passo, vamos nos resig-
			nar de vez a viver em tocas e morder, se por acaso
			toparmos inesperadamente um semelhante. Esse pro-
			gresso para mim é retrocesso.
					Assim como, do ponto de vista do leitor, tenho
		65 	certeza de que encontrarei companheiros de ideal, em
			relação a esse negócio de máquina de ler livros, dos
			quais aquele em que mais se fala é o já famoso Kindle.
			Para quem não gosta de livros e apenas os usa por-
			que precisa e não pode evitar, com certeza terá utili-
		70 	dade. Para quem tem necessidade de ler notícias
			apressadamente, também. E, enfim, quebrará o galho
			de uma porção de gente, em áreas que nem podem
			ser previstas agora.
					Mas, para quem gosta de ler como eu e vocês (se
		75 	não gostassem, não estariam lendo isto aqui, achariam
			coisa melhor para fazer sem muita dificuldade), as
			trapizongas que estão criando para se ler já chegam
			causando perplexidade por uma razão elementar, que
			não pode deixar de ter ocorrido a quem quer que haja
		80 	pensado um pouquinho sobre o assunto. Antes dessa
			tremenda invenção, qualquer um podia pegar um livro
			e lê-lo, tendo como equipamento indispensável no má-
			ximo, uns óculos. De agora em diante, se a moda pe-
			gar, isso acabará sendo inviável. Escapa-me à com-
		85 	preensão o progresso contido num livro que requer um
			aparelho – e não tão baratinho assim – para ser lido,
			quando hoje não se precisa de nada, basta saber ler.
					(...) Quanto ao trabalho, principalmente mental,
			que o livro dá ao leitor, pergunta-se: a ideia não era
		90 	essa? Com certeza não chegarei até lá, mas antevejo
			o dia em que o livro impresso será apresentado como
			a última novidade.

João Ubaldo Ribeiro, in O Globo

Questão:

No trecho “... e quem não gostar pode descer do bonde.” (l. 22-23), o autor alude a quem não gosta de: 

Resposta errada
a)

ter saudade dos velhos tempos muito trabalhosos.

Resposta errada
b)

escrever com papel-carbono ensanduichado entre laudas. 

Resposta correta
c)

adotar as novas ações decorrentes do uso do computador.

Resposta errada
d)

lidar com máquinas de escrever, dicionários e enciclopédias.

Resposta errada
e)

fazer pesquisa sobre ortografia para a composição da matéria.

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