Atenção: A(s) questão(ões) a seguir refere(m)-se ao texto seguinte.
Às vezes sentimos [nós, os escritores] vontade de dizer à crítica: meus defeitos não são os que apontas. São outros e aqui estão. Como, também, de advertir-lhe: o que julgas qualidades em mim não são qualidades, mas defeitos dissimulados, defeitos de que ainda não consegui desfazer-me.
Nossa força e nossa fraqueza permanecem, assim, não identificadas, à espera de que a famosa lucidez dos cinquentaanos- depois possa reconhecer uma e outra. É, porém, mais do que provável que não haja cinquenta-anos-depois. Isto esclarece por que muitos autores organizam eles mesmos a posteridade, explicando-se, confessando-se, coroando-se.
Resta a indagação: que fazer de nossos possíveis dons literários, entregues à nossa própria polícia e julgamento? O público não nos decifra: apoia ou despreza, simplesmente. A bolsa de valores intelectuais é emotiva e calculista, como todas as bolsas. Hoje temos talento; amanhã não. Éramos bons poetas na circunstância tal, mas já agora estamos com o papo cheio de vento; somos demasiado herméticos; demasiado vulgares; nosso individualismo nos perde; ou nosso socialismo; chegamos a dois passos da Igreja; o que nos falta é o sentimento de Deus; nossa prosa é lírica, nossos versos são prosaicos.
Penso em um rapaz que de repente sinta vontade de escrever − essa vontade explosiva, incontrolável, que pode ser o primeiro signo da vocação, ou somente um falso alarma − e vejo- o oferecendo seu escrito ao paladar dos colegas, dos mais velhos, de todos a quem encontre. Que lição recolherá de tantas, emaranhadas e contraditórias? Que lhe permitirá ver claro em si mesmo? Antes de definir-se, ou enquanto isso, a vocação tem de lutar contra o próximo, que tradicionalmente a ignora. Tem de achar-se a si mesma, na confusão dos modelos, estáticos ou insinuantes, que constituem o museu da literatura. E por todo o sempre continuará, solitária, a interrogar-se e a corrigirse, não esperando que lhe venha conforto exterior.
(Carlos Drummond de Andrade, Passeios na ilha)
Está clara e correta a redação deste livre comentário sobre o texto:
a)
Tanto a crítica é confusa que nossos próprios defeitos de escritor surgem-lhes como se fossem qualidades, e vice versa, o que contradiz qualquer critério levado à sério. |
b)
Mesmo sentindo-se atraído pela avaliação crítica que vem de fora, é do interior que um jovem escritor precisa de aspirar ao julgamento que o conduza para uma grande obra. |
c)
O autor do texto mostra-se convicto de que a subjetividade da crítica é tamanha que não se pode atribuir a ela o papel de decidir, em definitivo, o valor de uma obra literária. |
d)
É natural que o escritor estreante se veja compelido à consultar os críticos, considerando-lhes de uma importância tal que sua obra necessitaria de uma contínua revisão. |
e)
Confiar em si mesmo, vendo-se como autocrítico, é o mister do jovem escritor que prefere ouvir mais de seu próprio íntimo do que as vozes autorizadas de fora. |
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