Atenção: Leia o texto abaixo para responder à(s) questão(ões) a seguir.
Figuras históricas perdem seus contornos quando se tornam valores absolutos e até sua própria existência chega a ser posta em dúvida. Caso exemplar é o de William Shakespeare, cuja importância cresceu tanto que, a partir do século XVIII, começou-se a questionar se ele era realmente o autor de seus dramas.
Algo semelhante aconteceu com o Renascimento. De início, o termo indicava a arte produzida na Itália entre os séculos XV e XVI, exemplar para todos os artistas que se seguiram. Em meados do XIX, quando começava a perder força como paradigma estético, assumiu um significado muito mais amplo e indeterminado. Historiadores, como Jules Michelet (1855) e o suíço Jacob Burckhardt (1860), defendem suas teorias, mas a periodização encontra dificuldades. Os limites de um período histórico costumam ser marcados por fatos concretos, de datação consensual. Em arte, as transições são muito mais fluidas. Com Renascimento e renascimentos na arte ocidental (1957) o historiador da arte alemão Erwin Panofsky tentou pôr ordem nessa proliferação de renascenças: o que distingue o Renascimento italiano das retomadas anteriores, segundo ele, é a consciência de que o antigo já não existe, da necessidade de recriá-lo.
Afinal, o que faz da arte italiana dos séculos XV e XVI algo tão especial? Leon Battista Alberti, o teórico mais importante da primeira fase do Renascimento, identifica por nome, no prólogo de seu tratado Da pintura (1436), um grupo bem pequeno de artistas, todos florentinos. Foram eles, segundo o teórico, que fizeram reviver uma arte que, como a antiga, se inspirava diretamente na natureza. Mas, enquanto os antigos tiveram muitos mestres para imitar, eles precisaram reinventar. "Nós", diz Alberti, incluindo-se no grupo, "descobrimos artes e ciências jamais ouvidas e vistas."
Outro teórico define esses inventores como "mestres de artes mistas e de engenho". Artes, na Florença da época, eram as corporações de artesãos e comerciantes que governavam a cidade desde o século XIV. Além delas, com maior prestígio (se não com maior poder) havia as artes liberais, que se aprendiam pelos livros e não pela experiência prática. Os "mestres de artes mistas" não eram uma coisa nem outra. Já não se identificavam com o saber artesanal de pai para filho; tampouco com o saber escolar dos acadêmicos. Buscavam conhecimentos empíricos, quando necessário (engenharia, fundição dos metais, fabricação de cores), embora não se restringissem a nenhuma das profissões tradicionais. Em sua maioria, não liam latim, mas dispunham de tratados de ótica e de geometria traduzidos e consultavam cientistas e matemáticos sempre que fosse preciso. Eram leitores vorazes da nova literatura em vulgar (Dante, Petrarca, Boccaccio) e estudavam história. A cultura deles se definia em função dos projetos em que estavam envolvidos − uma igreja, um monumento, um quadro. Enfim, não eram nem artesãos nem filósofos. Pela primeira vez na história, eram artistas.
(Adaptado de: Lorenzo Mammi. Bravo!, 191, julho de 2013, p. 16-21)
Quanto ao desenvolvimento textual, afirma-se corretamente:
a)
O autor do texto deixa implícita, no 1.º parágrafo, sua concordância com a hipótese de que William Shakespeare não deve ter sido realmente o criador de tantos dramas que marcaram sua época. |
b)
Apesar de evidente intenção esclarecedora das informações contidas no parágrafo final, à semelhança de verbete de dicionário a respeito da Florença do século XV, elas perdem importância diante da constatação de que os artistas não se consideravam ligados a nenhum ofício. |
c)
No 2.º parágrafo, defende-se a ideia central de que, em razão da ausência de limites temporais precisos para a produção artística, resulta impossível para os teóricos perceber diferenças temáticas entre os representantes de determinada época. |
d)
Há semelhança nos pontos de vista emitidos tanto pelo historiador alemão citado no 2.º parágrafo, que publicou sua obra no século XX, quanto pelo teórico florentino, cuja obra data do século XV. |
e)
O confronto entre as teorias defendidas por historiadores nos séculos XIX e XX, a respeito de limites temporais para as manifestações artísticas renascentistas, estabelece parâmetros para a correta identificação da autoria dos dramas de William Shakespeare. |
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