Para responder à(s) questão(ões) seguinte(s), considere o texto abaixo.
Senta-te aqui ao meu lado, amiga, e te contarei uma história. Faz tempo que não te conto uma história na beira deste cais. A noite está cheia de estrelas, são homens valentes que morreram. Senta-te aqui, dá-me tua mão, vou te contar a história de um homem valente. Vês aquela estrela lá longe, mais além do navio fundeado, mais além do forte velho, da sombra das ilhas? Deve ser ele iluminando o céu da Bahia. [...]
Já viste da beira do cais o vento noroeste se despenhar sobre a cidade e o mar, levar embarcações, desatracar navios, mudar o rumo de transatlânticos, transformar a cor das águas? É rápido, inquietante, belo, quase irreal. Dura um instante na medida do tempo. Mas, mesmo depois que o noroeste passa e volta a calmaria, fica a sua lembrança e é impossível esquecê-lo porque tudo mudou na face das coisas: é outra a fisionomia do cais e o ar que se respira é mais puro. Assim, negra, foi Castro Alves. Tinha a força do vento noroeste, o seu ímpeto, a sua violência. Tinha a sua beleza também. E deixou o ar mais puro, a sua lembrança imortal.
Tinha a precocidade desses moleques de rua a quem acaricias a cabeça e dos quais te contei a história. Começou muito moço e muito moço terminou. Foi o mais belo espetáculo de juventude e de gênio que os céus da América presenciaram.
No tempo que andou nestas e noutras ruas, disse tantas e tão belas coisas, amiga, que sua voz ficou soando para sempre e é cada vez mais alta e cada vez mais a voz de centenas, de milhares, de milhões de pessoas. É a sua voz, negra, é a voz do cais inteiro e da cidade lá atrás também. Falou por todos nós como nenhum de nós falaria. É ainda hoje o maior e o mais moço de todos nós.
No teatro grande lá de cima ouviste certa vez uma numerosa orquestra. Lembras-te da hora em que os músicos se juntaram todos num esforço supremo e produziram com os seus instrumentos e com sua virtuosidade uma nota mais alta que todas, que todas mais bela, nota que ficou soando na sala mesmo após a saída dos espectadores? Pois assim foi Castro Alves. Há momentos no mundo em que todas as forças de uma nação se conjugam e, como uma nota mais alta que todas, aparece, tranquilo e terrível, demoniacamente belo, justo e verdadeiro, um gênio. Nasce dos desejos do povo, das necessidades do povo. Nunca mais morre, imortal como o povo.
Este, cuja história vou te contar, foi amado e amou muitas mulheres. Vieram brancas, judias e mestiças, tímidas e afoitas, para os seus braços e para o seu leito. Para uma, no entanto, guardou ele as melhores palavras, as mais doces, as mais ternas, as mais belas. Essa noiva tem um nome lindo, negra: liberdade.
Vê no céu, ele brilha, é a mais poderosa das estrelas. Mas o encontrarás também nas ruas de qualquer cidade, no quarto de qualquer casa. Seja onde for que haja jovens, corações pulsando pela humanidade, em qualquer desses corações encontrarás Castro Alves.
Dá-me agora tua mão direita, ouve o ABC do poeta.
Obs.: Ortografia atualizada segundo as normas vigentes. (Jorge Amado.
ABC de Castro Alves; 14. ed. São Paulo: Martins, 1968. p. 15-17)
Para uma, no entanto, guardou ele as melhores palavras, as mais doces, as mais ternas, as mais belas. Essa noiva tem um nome lindo, negra: liberdade.
A opinião exposta por Jorge Amado encontra respaldo, principalmente, nos versos de Castro Alves transcritos em:
a)
Eras tu que, com os dedos ensopados No sangue dos avós mortos na guerra, Livre sagravas a Colúmbia terra, Sagravas livre a nova geração! |
b)
Escravo, dá-me a c'roa de amaranto Que mandou-me inda há pouco Afra impudente, Orna-me a fronte... Enrola-me os cabelos Quero o mole perfume do Oriente. |
c)
Vai funda a tempestade no infinito, Ruge o ciclone túmido e feroz... Uiva a jaula dos tigres da procela − Eu sonho a tua voz − |
d)
Mas não...! Somente as vagas do sepulcro Hão de apagar o fogo que em mim arde... Perdoa-me, Senhora! ... Eu sei que morro... É tarde! É muito tarde!... |
e)
Corre nas veias negras desse mármore Não sei que sangue vil de messalina, A cova, num bocejo indiferente, Abre ao primeiro a boca libertina. |
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