Texto I
Certamente porque não é fácil compreender certas questões, as pessoas tendem a aceitar algumas afirmações como verdades indiscutíveis e até mesmo a irritar-se quando alguém insiste em discuti-las. 5 É natural que isso aconteça, quando mais não seja porque as certezas nos dão segurança e tranquilidade. Pô-las em questão equivale a tirar o chão de sob nossos pés. Não necessito dizer que, para mim, não há verdades indiscutíveis, embora acredite em 10 determinados valores e princípios que me parecem consistentes. De fato, é muito difícil, senão impossível, viver sem nenhuma certeza, sem valor algum. No passado distante, quando os valores religiosos se impunham à quase totalidade das pessoas, 15 poucos eram os que questionavam, mesmo porque, dependendo da ocasião, pagavam com a vida seu inconformismo. Com o desenvolvimento do pensamento objetivo e da ciência, aquelas certezas inquestionáveis 20 passaram a segundo plano, dando lugar a um novo modo de lidar com as certezas e os valores. Questioná-los, reavaliá-los, negá-los, propor mudanças às vezes radicais tornou-se frequente e inevitável, dando-se início a uma nova época da sociedade humana. 25 Introduziram-se as ideias não só de evolução como de revolução. Naturalmente, essas mudanças não se deram do dia para a noite, nem tampouco se impuseram à maioria da sociedade. O que ocorreu de fato foi um 30 processo difícil e conflituado em que, pouco a pouco, a visão inovadora veio ganhando terreno e, mais do que isso, conquistando posições estratégicas, o que tornou possível influir na formação de novas gerações, menos resistentes a visões questionadoras. 35 A certa altura desse processo, os defensores das mudanças acreditavam-se senhores de novas verdades, mais consistentes porque eram fundadas no conhecimento objetivo das leis que governam o mundo material e social. Mas esse conhecimento era ainda 40 precário e limitado. Inúmeras descobertas reafirmam a tese de que a mudança é inerente à realidade tanto material quanto espiritual, e que, portanto, o conceito de imutabilidade é destituído de fundamento. 45 Ocorre, porém, que essa certeza pode induzir a outros erros: o de achar que quem defende determinados valores estabelecidos está indiscutivelmente errado. Em outras palavras, bastaria apresentar-se como inovador para estar certo. Será isso verdade? 50 Os fatos demonstram que tanto pode ser como não. Mas também pode estar errado quem defende os valores consagrados e aceitos. Só que, em muitos casos, não há alternativa senão defendê-los. E sabem por quê? Pela simples razão de que toda 55 sociedade é, por definição, conservadora, uma vez que, sem princípios e valores estabelecidos, seria impossível o convívio social. Uma comunidade cujos princípios e normas mudassem a cada dia seria caótica e, por isso mesmo, inviável. 60 Por outro lado, como a vida muda e a mudança é inerente à existência, impedir a mudança é impossível. Daí resulta que a sociedade termina por aceitar as mudanças, mas apenas aquelas que de algum modo atendem a suas necessidades e a fazem avançar.
GULLAR, Ferreira. Dialética da mudança.
Folha de São Paulo, 6 maio 2012, p. E10.
A relação lógica estabelecida entre as ideias do período composto, por meio do termo destacado, está explicitada adequadamente em:
a)
"Não necessito dizer que, para mim, não há verdades indiscutíveis, embora acredite em determinados valores e princípios" (L. 8-10) (relação de condição) |
b)
"No passado distante, quando os valores religiosos se impunham à quase totalidade das pessoas, poucos eram os que questionavam" (L. 13-15) (relação de causalidade) |
c)
"os defensores das mudanças acreditavam-se senhores de novas verdades, mais consistentes porque eram fundadas no conhecimento objetivo das leis" (L. 35-38) (relação de finalidade) |
d)
"a mudança é inerente à realidade tanto material quanto espiritual, e que, portanto, o conceito de imutabilidade é destituído de fundamento." (L. 41-44) (relação de conclusão) |
e)
"Ocorre, porém, que essa certeza pode induzir a outros erros: o de achar que quem defende determinados valores estabelecidos está indiscutivelmente errado." (L. 45-48) (relação de temporalidade) |
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