Infelizmente, é verdade: explosões não fazem barulho algum no espaço. Não me lembro de um só filme que tenha retratado isso direito. Pode ser que existam alguns, mas se existirem não fizeram muito sucesso. Sempre vemos explosões gigantescas, estrondos fantásticos. Para existir ruído é necessário um meio material que transporte as perturbações que chamamos de ondas 5 sonoras. Na ausência de atmosfera, ou água, ou outro meio, as perturbações não têm onde se propagar. Para um produtor de cinema, a questão não passa pela ciência. Pelo menos não como prioridade. Seu interesse é tornar o filme emocionante, e explosões têm justamente este papel; roubar o som de uma grande espaçonave explodindo torna a cena bem sem graça. Recentemente, o debate sobre as liberdades científicas tomadas pelo cinema tem aquecido. O 10 sucesso do filme O dia depois de amanhã (The day after tomorrow), faturando mais de meio bilhão de dólares, e seu cenário de uma idade do gelo ocorrendo em uma semana, em vez de décadas ou, melhor ainda, centenas de anos, levantaram as sobrancelhas de cientistas mais rígidos que veem as distorções com desdém e esbugalharam os olhos dos espectadores (a maioria) que pouco ligam se a ciência está certa ou errada. Afinal, cinema é diversão. 15 Até recentemente, defendia a posição mais rígida, que filmes devem tentar ao máximo ser fiéis à ciência que retratam. Claro, isso sempre é bom. Mas não acredito mais que seja absolutamente necessário. Existe uma diferença crucial entre um filme comercial e um documentário científico. Óbvio, documentários devem retratar fielmente a ciência, educando e divertindo a população, mas filmes não têm necessariamente um compromisso pedagógico. As pessoas não vão ao 20 cinema para serem educadas, ao menos como via de regra. Claro, filmes históricos ou mesmo aqueles fiéis à ciência têm enorme valor cultural. Outros educam as emoções através da ficção. Mas, se existirem exageros, eles não deverão ser criticados como tal. Fantasmas não existem, mas filmes de terror sim. Pode-se argumentar que, no caso de filmes que versam sobre temas científicos, as pessoas vão ao cinema esperando uma 25 ciência crível. Isso pode ser verdade, mas elas não deveriam basear suas conclusões no que diz o filme. No mínimo, o cinema pode servir como mecanismo de alerta para questões científicas importantes: o aquecimento global, a inteligência artificial, a engenharia genética, as guerras nucleares, os riscos espaciais como cometas ou asteroides etc. Mas o conteúdo não deve ser levado ao pé da letra. A arte distorce para persuadir. E o cinema moderno, com efeitos especiais 30 absolutamente espetaculares, distorce com enorme facilidade e poder de persuasão. O que os cientistas podem fazer, e isso está virando moda nas universidades norte-americanas, é usar filmes nas salas de aula para educar seus alunos sobre o que é cientificamente correto e o que é absurdo. Ou seja, usar o cinema como ferramenta pedagógica. Os alunos certamente prestarão muita atenção, muito mais do que em uma aula convencional. Com isso, será possível 35 educar a população para que, no futuro, um número cada vez maior de pessoas possa discernir o real do imaginário.
MARCELO GLEISER
Adaptado de www1.folha.uol.com.br.
A oposição entre “ciência” e “Hollywood”, expressa no título do artigo de Gleiser, corresponde a outra oposição bastante estudada no campo da literatura, que se verifica entre:
a)
acontecimento e opinião |
b)
historicismo e atualidade |
c)
verdade e verossimilhança |
d)
particularização e universalismo |
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