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Comentários / Colégio Militar de Belo Horizonte - Professor de Língua Portuguesa - Colégio Militar de Belo Horizonte - 2013


Uma Tarde de Chuva

Luís Giffoni

1º§         De vez em quando me batem desejos. Para ser mais preciso, martelam. Martelam minha cabeça, até
            que eu, de alguma forma, os realize. São desejos inusitados. Por exemplo, ouvir piado de inhambu. Há 
            coisa mais esquisita? Se pelo menos fosse um samba do Jobim, uma fuga de Bach, mas piado de 
            inhambu, onde se viu? O pior (ou melhor) é que sinto uma paz imensa só de imaginar a ave e seu longo 
            suspiro no campo, de dar tristeza com seu começo tímido, hesitante, até que o canto dispara qual uma 
            seriema. Um canto que me encanta. É uma pena eu não ter vocação para a música sertaneja. Só precisaria 
            de um parceiro. Inhambu e Seriema seria um belo nome para uma dupla. Milhões de reais garantidos. 
2º§         Outro dia, o desejo premente foi estar deitado num banco de pracinha do interior mineiro, debaixo 
            de um ipê florido, numa de nossas cidades onde uma vida leva gerações para passar, enquanto escorre, 
            sem pressa, por ladeiras de paralelepípedo. Desejo também esquisito. Conheço maneiras mais 
            interessantes de gastar o tempo, moeda cada vez mais sem saldo na conta da vida. Nem pagando juros 
            extorsivos conseguirei emprestadas umas décadas extras no banco do tempo. Zerou o saldo, acabou, foi- 
            se, foice. A danada da pracinha, no entanto, volta e meia me martela a cabeça. 
3º§         A estranha onda de desejo costuma virar um tsunami que traz rememórias antigas e novas, reais ou 
            inventadas, sei lá, algumas à primeira vista impossíveis de concretizar. Quero, de novo, um beijo roubado 
            aos 11 anos, mais outros sob o sol escaldante da praia de Itariri ou do Deserto do Atacama, procuro o 
            sabor de um certo vinho de Rioja, caço o requinte de um ensaio de Montaigne, sonho o sorriso de minha 
            primeira filha logo depois de nascer. O maremoto não tem fim. Faz um arrastão de momentos que eu 
            gostaria de manter ao alcance da mão, ou melhor, dos dedos. Ah, os dedos... Eles se transformaram na 
            parte mais importante do corpo humano, justamente a que realiza os desejos. Viramos 100% digitais. 
            Com um toque no computador, o Windows e a internet se abrem, e tudo acontece. Desejo mais no futuro: 
            uma leve pressão no Enter escancarará a janelinha da primeira paixão, cairei dentro dela, reviverei a 
            disparada do coração e a certeza de que o mundo é pequeno demais para conter tamanho sentimento. 
4º§         Desconfio desse vagalhão de desejos: estaria meu baú de lembranças superlotado, e elas começam a 
            vazar pelo teclado? O cérebro teria atingido o limite, perdeu a capacidade de tomar decisões ou apenas 
            cede, de graça, o comando da vida ao computador? 
5º§         Meu desejo mais cruel baixou hoje. Queria acompanhar, como aquele tolo na colina cantado pelos 
            Beatles, o sol até o poente, observar cada nuance de luz, cada tom de azul, saciar a fome de cores. Isso 
            me parece importante agora. Acontece que chove em BH, chove muito neste abril, parece que 
            chove sobre a Terra inteira, e o sol não está disponível. A vontade de vê-lo, porém, permanece. A última 
            esperança, para me saciar, é escrever. A escrita afasta qualquer mau tempo. Cria não apenas sóis, mas 
            galáxias inteiras. Se a memória é nosso alimento, a imaginação é nossa magia. Uma imaginação vale 
            mais que mil memórias. Racionaliza desejos, apaga idiossincrasias, tira da cartola a ilusão de que o 
            mundo nos pertence.
6º§         Daqui a pouco, depois que o meu sol se for, vou escrever sobre o assunto. Quem sabe desse desejo 
            nascerá uma crônica?
	

Revista VEJA BH. Edição ano 2, n.º 18, 1.º maio 2013. p. 94.

Questão:

Segundo o autor, a última esperança para saciá-lo é escrever. O ato da escrita produz efeitos inimagináveis como os descritos abaixo, EXCETO:

Resposta errada
a)

transforma os maus momentos, dando-lhes aspectos novos através do prisma da imaginação.

Resposta errada
b)

cria macrocosmos incríveis a partir do microcosmo em que vivemos.

Resposta errada
c)

desenvolve a imaginação com a qual nos desvencilhamos das angústias cotidianas.

Resposta errada
d)

rememora fatos passados, trazendo-os para as linhas do presente.

Resposta correta
e)

ressalta nossas particularidades, nossa ideia de que somos donos do mundo.

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