Desconfiar é bom e não custa nada − é o que diz o senso comum, valorizando tanto a cautela como a usura. Mas eu acho que desconfiar custa, sim, e às vezes custa demais. A desconfiança costuma ficar bem no meio do caminho da aventura, da iniciativa, da descoberta, atravancando a passagem e impedindo − quem sabe? − uma experiência essencial.
Por desconfiar deixamos de arriscar, permitindo que a prudência nos imobilize; por cautela, calamo-nos, não damos o passo, desviamos o olhar. Depois, ficamos ruminando sobre o que teremos perdido, por não ousar.
O senso comum também diz que é melhor nos arrependermos do que fizemos do que lamentarmos o que deixamos de fazer. Como se vê, a sabedoria popular também hesita, e se contradiz. Mas nesse capítulo da desconfiança eu arrisco: quando confiar é mais perigoso e mais difícil, parece-me valer a pena. Falo da confiança marcada pela positividade, pela esperança, pelo crédito, não pela mera credulidade. Mesmo quando o confiante se vê malogrado, a confiança terá valido o tempo que durou, a qualidade da aposta que perdeu. O desconfiado pode até contar vantagem, cantando alto: − Eu não falei? Mas ao dizer isso, com os pés chumbados no chão da cautela temerosa, o desconfiado lembra apenas a estátua do navegante que foi ao mar e voltou consagrado. As estátuas, como se sabe, não viajam nunca, apenas podem celebrar os grandes e ousados descobridores.
“Confiar, desconfiando” é outra pérola do senso comum. Não gosto dessa orientação conciliatória, que manda ganhar abraçando ambas as opções. Confie, quando for esse o verdadeiro e radical desafio.
(Ascendino Salles, inédito)
A questão a seguir refere-se ao texto acima.
Mantendo-se o sentido e a correção, a frase Confiar, desconfiando ganha desenvolvimento e explicitação em:
a)
Quem confia acaba por estar desconfiando. |
b)
Somente quem desconfia é capaz de confiar. |
c)
A desconfiança, embora incompatível, faz confiar. |
d)
Não dispense a desconfiança quem se ponha a confiar. |
e)
Ainda quando se desconfie, mais vale a pena se confiar. |
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