Recentemente, em “Avenida Brasil” – brilhante novela de João Emanuel Carneiro – era possível acompanhar uma trama que unia dois homens e uma mulher, e outra que abordava o casamento entre um homem e três mulheres. Neste segundo caso, com direito a vestidos nas noivas e beijos enfileirados lado a lado. Esse fato não provocou o menor alvoroço na sociedade como causa a manifestação de afeto entre duas pessoas do mesmo sexo. Paradoxalmente, por algum critério de moralismo seletivo, o tal “beijo gay” ainda continua sendo um tabu.
Sou casado há 17 anos. Uma relação pública abençoada por toda nossa família. É importante ressaltar que casamento civil nada tem a ver com nenhuma cerimônia religiosa. A definição de casamento, segundo o Código Civil, art. 1511: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.
Por que, afinal, as pessoas querem se casar? Porque em nosso país cidadãos que se unem para dividir uma vida em comum só têm a ampla proteção, em direitos e deveres, se realizado o casamento civil, estabelecido no Código Civil. O ministro Luiz Felipe Salomão, do STJ, em decisão sobre casamento civil, declarou em seu voto: “Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os ‘arranjos’ familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente da orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto”.
No último dia 6, a coluna de um jornalista noticiou que uma conversão de união estável em casamento entre duas pessoas do mesmo sexo na cidade fluminense de Sapucaia deve sofrer represália de um grupo religioso que promete uma passeata contra a união e já roda um abaixo‐assinado para tentar anular a decisão. É muito perigoso esse nível de intolerância e interferência na vida dos outros que tem acontecido no Brasil. Pessoas têm se unido para fazer com que as regras da sua religião sejam impostas à sociedade, mesmo aos que não comungam de sua fé.
Reconheço que não vejo a comunidade judaica organizar‐se para impor suas regras e viabilizar um projeto de lei que proíba o consumo de carne de porco no país ou para que tenhamos de respeitar o shabat. Não vejo a comunidade muçulmana se organizar para criar uma lei onde todos têm de se ajoelhar para Meca ao meio‐dia. Por que então algumas pessoas “em nome” de determinadas religiões tentam impor seu Deus e suas regras a toda uma sociedade? Não preciso ser negro para lutar contra o racismo. Não preciso ser judeu para lutar contra o antissemitismo. E você não precisa ser homossexual para lutar contra a homofobia.
(Carlos Tufvesson. O Globo. 15/12/2012)
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