"Ocorreu em nossos países uma nova forma de colonialismo, com a imposição de uma cultura alheia à própria da
região. Cumpre avaliar criticamente os elementos culturais alheios que se pretendam impor do exterior. O desenvolvimento
corresponde a uma matriz endógena, gerada em nossas próprias sociedades, e que portanto não é possível importar.
Precisamos levar sempre em conta os traços culturais que nos caracterizam, que hão de alimentar a busca de soluções
5 endógenas, que nem sempre têm por que coincidir com as do mundo altamente industrializado." 1
O que há de extraordinário nessa citação? Nada, exceto a data. Ela não foi redigida no princípio do século XIX e sim no
dia 29 de maio de 1993, exatamente um mês antes da redação deste artigo. Trata-se de um documento aprovado por vários
intelectuais ibero-americanos, na Guatemala, como parte da preparação da III Conferência de Cúpula da região, a realizar-
se em Salvador, na Bahia.
10 Conhecemos bem essa linguagem no Brasil. É o discurso do nacionalismo cultural, que começou a ser balbuciado com
os primeiros escritores nativistas, e desde a independência não cessou, passando por vários avatares, com tons e
modulações diversas. Ao que parece, nada envelheceu nessas palavras. Quase todos os brasileiros se orgulhariam de repeti-
las, como se elas fossem novas e matinais, como se fôssemos contemporâneos do grito do Ipiranga. Nesses 171 anos, o
Brasil passou do Primeiro para o Segundo Reinado, da Monarquia para a República Velha, desta para o Estado Novo, deste
15 para a democracia, desta para a ditadura militar, e desta para uma nova fase de democratização. Passamos do regime servil
para o trabalho livre − ou quase. De país essencialmente agrário transitamos para a condição de país industrial, e sob alguns
aspectos nos aproximamos da pós-modernidade. Só uma coisa não mudou: o nacionalismo cultural. Continuamos repetindo,
ritualmente, que a cultura brasileira (ou latino-americana) deve desfazer-se dos modelos importados e voltar-se para sua
própria tradição cultural.
1 Relato general de la "Cumbre Del pensamiento", Antígua-Guatemala, pp. 88 e ss.
(Adaptado de Sergio Paulo Rouanet. "Elogio do incesto". In: Mal-estar na modernidade: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 346-347)
O segmento do texto que está adequadamente compreendido é:
a)
(linhas 1 e 2) uma cultura alheia à própria da região / um cabedal de conhecimentos desenraizado do seu lugar de origem. |
b)
(linha 11) passando por vários avatares / resistindo a diversos crivos. |
c)
(linhas 15 e 16) Passamos do regime servil para o trabalho livre / Do trabalho que exige força muscular para ser executado passamos para o trabalho industrializado. |
d)
(linha 16) país essencialmente agrário / nação que não reconhece outro status social, político e econômico que não seja o dos habitantes das áreas agrícolas. |
e)
(linhas 17 e 18) Continuamos repetindo, ritualmente / Continuamos a reiterar, como numa liturgia. |
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