UM CÃO APENAS
Subidos, de ânimo leve e descansado passo, os quarenta degraus do jardim – plantas em flor, de cada lado; borboletas incertas; salpicos de luz no granito – eis-me no patamar. E a meus pés, no áspero capacho de coco, à frescura da cal no pórtico, um cãozinho doente, com todo o corpo ferido; gastas as mechas brancas de pelo; o olhar dorido e profundo, com esse lustro de lágrimas que há nos olhos das pessoas muito idosas. Com grande esforço acaba de levantar-se. Eu não lhe digo nada; não faço nenhum gesto. Envergonha-me haver interrompido o seu sono. Se ele estava feliz, eu não devia ter chegado. Já lhe faltavam tantas coisas, que ao menos dormisse: também os animais devem esquecer, enquanto dormem (Cecília Meireles).
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